Esportes

Torcida única nos clássicos do Rio divide opiniões entre entidades e especialistas

A ação civil pública, do Minstério Público Estadual (MPE), que pede torcida única nos clássicos cariocas ainda será apreciada pelo Juizado do Torcedor e Grandes Eventos. Porém, as autoridades envolvidas diretamente nos casos de brigas entre facções organizadas tendem a concordar com a proibição, ou alguma solução mais efetiva. O argumento voltou à tona após os episódios de violência no confronto entre Botafogo e Flamengo, no último domingo, no Engenhão, que terminaram com a morte de um torcedor e deixaram oito feridos.

O juiz Marcello Rubioli, do Juizado do Torcedor e Grandes Eventos, passará a decisão ao próximo magistrado, que assumirá o posto ainda este mês. Ele considera que esse pode ser o primeiro degrau para se chegar a um modelo mais seguro para os torcedores.

– Acho que é um caminho. O próximo, talvez, seja inserir os espetáculos esportivos no planjemanto das forças armadas – sugere Rubioli.

Comandante do Grupamento Especial de Policiamente em Estádios (Gepe), o Major Silvio Luís, informou que vai conversar com o MPE e o Juizado para saber detalhes do pedido, antes de emitir uma opinião sobre o assunto. Porém, o responsável pelo policiamento nos estádios e acompanhamento das organizadas em dias de jogo, ressalta que, diante do comportamento das torcidas, algo precisa ser feito.

– Preciso avaliar o que estão propondo, mas o que posso dizer é que o comportamento das torcidas já passou do tolerável – afirmou o Major, destacando que os clássicos do Rio só não são com torcida dividida igualmente quando a configuração do estádio não permite. – Já tivemos casos assim em São Januário e na Arena da Ilha, onde os visitantes só podem receber 10% dos ingressos.

As evidências, contudo, apontam que o problema vai além dos estádios. Antes do caso no Engenhão, a última briga de grandes proporções entre torcedores de Flamengo e Botafogo havia acontecido em julho de 2016, terminando com um morto. O conflito ocorreu em Bento Ribeiro, bairro da Zona Norte localizado a mais de 20 km do Estádio Luso-Brasileiro, onde os times se enfrentavam naquele dia.

Para o antropólogo Renzo Taddei, professor da Unifesp e autor de pesquisas sobre torcidas organizadas no futebol, o problema principal não é sequer a falta de policiamento, seja dentro ou fora de estádios. Na avaliação do especialista, torcedores e polícia desenvolveram, ao longo de décadas, uma relação turbulenta que tem questões sociais como pano de fundo:

– Não é à toa que a maior parte da violência a que uma torcida é submetida ou se submete em sua existência são conflitos contra a polícia, e não contra alguma torcida inimiga. O Estado impõe a segmentos inteiros da população um código de comunicação onde não há palavras, apenas brutalidade – avalia.

Taddei argumenta que o distanciamento entre torcidas organizadas e o restante da sociedade tende, na verdade, a acentuar a presença de membros que infringem a lei. Na opinião do antropólogo, lidar com a questão da violência no futebol depende de mais diálogo.

– Se houvesse uma interlocução saudável entre as comunidades das torcidas e o poder público, a mídia e a sociedade em geral, essas situações seriam mais fáceis de serem evitadas. O que eu estou dizendo é que muito menos do que 1% dos integrantes das torcidas causam problemas. Veja só: os Gaviões da Fiel tem cerca de 25 mil associados; as torcidas do Flamengo são também imensas. E qual o saldo dão problema com as torcidas? Em 2016 foram 9 mortos em estádios. É muito mais perigoso andar de bicicleta do que ir ao estádio.

Segundo o blog Gente Boa, a Procuradoria Geral do Estado vai contestar na Justiça o pedido do Ministério Público para que os clássicos do Rio tenham torcida única nos estádios.

– É uma medida inadequada – diz o procurador-geral do Estado, Leonardo Espíndola. – O Fla-Flu, por exemplo, é um patrimônio nacional que não pode ser banido por conta da ação de vândalos.

O Botafogo, por meio de nota da assessoria de imprensa, elogiou o trabalho do Gepe, mas se mostrou aberto a experiências que possam tornar os estádios mais seguros.

?Apesar de considerar que no último domingo houve um ponto fora da curva, pois o Gepe sabe fazer escolta, chegada e saída de organizadas, o Botafogo é favorável a experiências no sentido de melhorar as condições de segurança do futebol. Esse tipo de experiência, de torcida única, já deu certo em outros estados. O que o Botafogo não considera simples é ter a responsabilidade de cadastramento de membros de organizadas. É uma premissa quase impossível, porque os clubes não têm poder de fichar torcedores nem tem como controlar acesso a um local. Para o poder público, pode ser mais viável. Se for a decisão dos órgãos competentes, o Botafogo estará pronto para colaborar.?

Além do veto à divisão das arquibancadas em clássicos, o promotor Rodrigo Terra também pede aos clubes que “se abstenham de fornecer gratuitamente ingressos às suas torcidas organizadas”. O Botafogo garante que não distribui bilhetes para as organizadas.