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'Tive a mão pesada com os meninos', lembra técnico de Isaquias e Erlon

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Jesus Morlán pede a palavra ao fim de uma entrevista coletiva na casa do Time Brasil, na Zona Oeste do Rio, horas após seus pupilos Isaquias Queiroz e Erlon Souza terem conquistado a medalha de prata na canoa dupla (C2) 1000m, no sábado. Morlán quer pedir desculpas aos jornalistas por ter blindado totalmente os canoístas antes dos Jogos. Explica que o plano era mantê-los focados apenas nos treinamentos. “Não fui o cara mais simpático”, começa Morlán. “Vou tentar mudar, mas não prometo nada”.

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A confissão foi uma rara amostra de um lado menos rígido da personalidade do espanhol Morlán, de 49 anos, que dificilmente abre um sorriso diante das câmeras. Até quando dá sequência às brincadeiras de Isaquias e Erlon, o faz com expressão séria. Morlán evita baixar a guarda – e ele mesmo frisa que isso faz parte de um plano.

? Tive a mão muito pesada com esses meninos, especialmente nos últimos dois meses antes da Olimpíada. Foi muito difícil para eles, mas eu sabia como era, já estive nesse lugar antes. Sinto muito orgulho deles ? garante Morlán, em raro momento mais relaxado.

Morlán chegou ao Brasil em 2013 com um currículo de dar inveja: foi treinador do canoísta espanhol David Cal, dono de cinco medalhas olímpicas, incluindo uma de ouro em Atenas-2004. Seu objetivo era lapidar os talentos de Isaquias e Erlon em busca dos primeiros três pódios da canoagem brasileira na história das Olimpíadas. Jorge Bichara, gerente de performance esportiva do Comitê Olímpico do Brasil (COB), lembra que Morlán não abriu mão de sua metodologia de treinamentos nem quando a própria esposa sofreu um acidente na Colômbia.

? A mulher do Jesus sofreu um acidente de moto na Colômbia, pouco após a chegada dele ao Brasil, e foi grave. Ele não contou para a gente e só foi visitá-la na sua primeira folga, quatro meses depois. Estamos diante de um profissional fantástico e de um ser humano único. A participação do Jesus nesses resultados foi acima de qualquer expectativa ? frisa Bichara.

As principais conquistas de Isaquias Queiroz

Morlán garante que, assim como os atletas, já planejou as férias após o desgastante ciclo olímpico: passará dois meses na Colômbia com sua família, período em que pretende se desligar o máximo possível da canoagem. Antes do descanso, contudo, o treinador faz uma escala no centro de treinamentos da canoagem, em Lagoa Santa (MG), já nesta segunda-feira. Segundo o próprio Morlán, ele precisa atualizar suas planilhas de dados antes de fechar a temporada, caso contrário não consegue aproveitar as férias.

TREINADOR RECLUSO

A notícia não é surpresa para os atletas, acostumados ao modus operandi recluso de Morlán: segundo Isaquias, ele não costuma sair do escritório nem mesmo nos fins de semana. Enquanto todos recebem folga em Lagoa Santa, o espanhol aproveita a calmaria para organizar suas anotações, muitas delas que ele carrega desde os tempos em que treinava o medalhista espanhol David Cal. A obsessão pelo trabalho não impediu os atletas de identificar uma figura humana, até certo ponto paterna, no treinador:

? Eu e Jesus já tivemos algumas brigas, por culpa minha (risos). Sempre fui cabeça quente, e ele sempre soube me controlar, pedir calma. ? descreve Isaquias. ? A primeira coisa que ele disse quando chegou foi: “Quero sinceridade e trabalho, não quero brincadeira”. Ele sempre conduziu a gente, e chegamos ao lugar onde deveríamos chegar.

? Ele costuma escrever tudo, até perguntas que a gente faz durante os treinamentos. ? complementa Erlon. ? Meses depois, quando nem lembramos mais, ele mostra o que perguntamos. Eu nunca tinha visto um treinamento igual ao dele. Às vezes a gente pensa que está fazendo uma coisa estranha, mas conforme as etapas vão avançando a gente entende o que ele quer.

A Lagoa em clima de Maracanã na torcida por Erlon e Isaquias

Embora dê mostras de carinho pelos canoístas, Morlán nem cogita permanecer à frente da equipe brasileira apenas por amor. Muito sério, o espanhol frisa que precisa ter à mesa um projeto sólido até os Jogos de Tóquio-2020, e isso logo que retornar das férias:

? Sempre me recusei a falar do futuro porque sou muito supersticioso, acho que se eu falar do futuro fico sem presente. Tenho toda a vontade de continuar, que fique bem claro. Mas precisamos ter um projeto, é isso que justifica um time por quatro anos. Por enquanto só tenho rascunhos ? avalia Morlán, que aproveita a deixa para arrancar sorrisos de Isaquias e Erlon ao levantar novamente sua persona rabugenta:

? Vou sentar com o chefe (Bichara) para ver isso. Quanto aos atletas, eles vão democraticamente fazer tudo o que a gente mandar.