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Tite: 'Nosso potencial é enorme'

A busca pela qualificação técnica que o levou à Europa em 2014 para estudar não significa, no caso de Tite, repulsa à busca do fortalecimento espiritual ou até de livros de pensamentos. Em entrevista ao GLOBO, o técnico da seleção brasileira cita um trecho de Maktub, de Paulo Coelho, mas analisa com profundidade times que marcaram época do futebol brasileiro, os caminhos que projeta para a seleção, as virtudes e carências do futebol do país no momento.

O bom início da seleção contraria a tese de que treinadores precisam de tempo?

Contraria, mas porque um trabalho vinha sendo feito antes. Houve ajustes, mas uma sequência lógica foi mantida. Agora, uma ideia de futebol, um trabalho com início, meio e fim, construção de time e maturação, para ter tudo isso e evoluir o tempo é fundamental. A confiança que o time adquiriu pode ser combustível para a evolução.

O grupo de sua segunda convocação é sua seleção ideal?

Pude equilibrar a observação entre Europa e Brasil. Mas não é dizer que vou dar visão maior à Europa. Foi muito difícil tirar Rafael Carioca e pôr Fernandinho. Os dois estão em nível muito alto. Não é que um está mal, é que outro está melhor.

Você pondera que um jogador está no Campeonato Brasileiro e outro no Inglês?

É desafiador, sim. Porque o nível técnico, a exigência, por vezes, é diferente. Eu tenho que avaliar nível técnico da competição. Por isso, mais do que o vídeo, é importante ver jogos in loco.

A seleção brasileira tem um compromisso, além do resultado, com a forma, o estilo?

Seria egoísta dizer que sim, porque estaria dizendo que o compromisso é com a minha forma. Não sei se é a forma ideal, que todo brasileiro gosta, mas é a que entendo ser bonita. Minha filha, quando tinha três anos, sabia que eu precisava vencer. Com cinco, sabia que precisava vencer para o pai dela não ficar desempregado. Mas temos que educar o público que existe um processo para isso acontecer. Buscamos um futebol de triangulações, posse de bola, a escola Parreira-Zagallo, a escola Telê. Essa é a característica nossa. Um time mais móvel, jogadores ágeis, equilibrando com jogadores mais altos e competitivos, o Casemiro. E buscando resultado, também. O primeiro terço do campo (os 30 metros mais próximos da defesa) é uma zona de segurança. O segundo terço é uma transição. O terço final é da ilusão, do drible, da finta. Ali, bota para fora o talento.

Faltam meias-armadores no Brasil, com característica do passe?

A safra, no momento, não é de um grande número de armadores. Em outros momentos apareceram. A seleção de 82, que é um marco pra mim, todos faziam função ofensiva ou defensiva. Temos mais jogadores do drible, da velocidade, do um contra um: Willian, Neymar, Gabriel Jesus. Daqui a pouco, você pode readaptar jogadores para armar, como aconteceu com Renato Augusto, com Jádson. Coutinho pode fazer função de armação e construção, Douglas Costa foi adaptado com Guardiola a não ficar só aberto e vir pelo meio. Paulinho tem a infiltração. E temos outras coisas que os outros não têm: laterais que constróem, bons passadores. É uma facilidade: os times se fecham por dentro e podemos armar pelo lado. A Alemanha tinha Lahm e já não tem. A França não tem.

Eliminatórias: seleção brasileira 16-9-2016

Após a Copa, criou-se a sensação de terra arrasada. Estamos a que distância dos melhores?

Não sei responder ainda. É uma realidade nova, outro nível de competição. Sem ter o enfrentamento, não sei. Vejo uma situação de franco crescimento, contra outras seleções mais prontas. O potencial técnico é muito grande. Willian tem muito que crescer, Coutinho. Renato Augusto cresceu. Vejo Neymar com muita maturidade. Gabriel Jesus tem 19 anos… Casemiro está se afirmando. Quem apanha não esquece. Talvez a Alemanha dê muito menos valor ao resultado, enxergue como atípico, circunstancial. É raro um time ser tão efetivo daquele jeito também (fala do 7 a 1). Estamos num padrão de igualdade. Não é por acaso que o jogador brasileiro está nos principais clubes. O que há é uma exigência aqui de se fazer um time para que ele produza ontem. E não é assim. Calma, gente. E não é porque ganhou as duas que está tudo feito. Uma ideia está sendo implantada, é preciso seguir amadurecendo, conversando com técnicos. Falei com Zidane, Conte, de repente falar com o Klopp sobre funções que Coutinho pode fazer, se o Dorival acha que o Lucas Lima pode fazer a função do Renato Augusto. Não tenho vergonha.

É possível ganhar a Copa de 2018?

Primeiro, temos que classificar. Depois respondo.

Você escolheu o 4-1-4-1 por ter segurança de como funciona este esquema ou pela característica dos jogadores?

A escolha foi legado do Dunga. A melhor produção da seleção foi neste esquema: o 3 a 0 contra o Peru foi emblemático. Claro que meu conhecimento do sistema contribui. O 3-4-3 eu não tenho domínio, se você me pedir para colocar no papel as funções, é difícil. Foi vendo as seleções alemã e francesa que me chamou atenção o 4-1-4-1. Como geravam superioridade no meio-campo. E esta é a marca das grandes equipes: Flamengo de 1981, Corinthians-2015, Brasil em 70 e 82.

No Corinthians você quase sempre tinha um atacante numa ponta e um meia na outra (Malcom e Jádson). Será sua preferência na seleção?

Sim, com um acréscimo: Neymar também flutua (deixa a ponta para armar pelo meio). Neymar tem capacidade extraordinária de buscar as costas dos volantes e aí você pode alternar, a cada hora um vem pelo meio, fazendo superioridade no centro. O adversário não sabe. Coutinho tem isso de maneira extraordinária. E a organização, o senso de equipe potencializa a individualidade. Quando vi o Neymar desarmar o volante da Colômbia eu vibrei: dá pra fazer as duas coisas. Jogou em equipe, depois construiu.

Em clubes, você lidava com carências. A seleção é um grande contraste?

É uma elite em termos técnicos, mas com uma capacidade de conhecimento tático muito alto. Você mostra vídeos, e o entendimento é rápido. Gera responsabilidade, porque sou medido nos meus conhecimentos.

É um conhecimento mais fácil de obter na Europa?

Nossa formação é um pouco de autodidata, do professor de educação física, do observador de futebol, do analista. Há um processo que a CBF está melhorando, de formação de técnicos. Mas tem que ter um padrão Uefa, com nível de exigência alto. Falei da necessidade da formação em educação física, da mesma forma que o formando em educação física não tem o cheiro do vestiário. Dá para aliar conhecimento e experiência do ex-atleta.

Qual seu tipo de leitura favorita: sobre futebol, sobre liderança?

O último livro que li foi do Alex Ferguson, que fala muito de liderança. Um que é de cabeceira é Maktub, de Paulo Coelho. (Pega o livro e abre na página 55, começa a ler) Tem uma que é legal: ?Se você está percorrendo o caminho dos seus sonhos, comprometa-se com ele. Assuma o seu caminho mesmo que precise dar passos incertos. Mesmo que saiba que pode fazer melhor do que está fazendo. Se tu aceitares esta possibilidade no presente, com toda certeza vai melhorar no futuro. Enfrente seus caminhos com coragem?. Fala muito do que é o meu desafio no dia-a-dia. Algum dia você se sente… aí pega e reforça a ideia, fortalece espiritualmente.

Por que visitou clubes na Europa em 2014?

Criei expectativa de ser convidado para a seleção, mas fui coerente de que dessem ao Dunga condições de terminar o trabalho. Fui contra a escolha, mas que termine o ciclo. Veio um convite para a China, e não aceitei para não sair do centro. Decidi observar jogos europeus, após ver a Copa do Mundo, aprender. E fui observar treinamentos, métodos. Ancelotti é o que mais representa meu estilo. Não digo que é melhor ou pior. Guardiola e Mourinho são estrelas, é demais para mim. Não consigo me enxergar neles.

Ancelotti é sua referência em tática ou pela conduta?

Estilo de liderança e perfil pessoal. E é uma equipe mais equilibrada. Não é tanto o contra-ataque do Mourinho, ou a posse de bola, plasticidade, beleza e criação do Guardiola. O que não consigo conceber como profissional (refere-se a Guardiola) é mudar a linha defensiva de quatro jogadores para três toda hora. Isso tira o jogar sem pensar. Se lembrar que em 2012 ele perdeu ao montar a linha de três no Barcelona (para o Chelsea)… Foi melhor para nós, seria o adversário do Corinthians no Mundial.

Você enxerga que a vocação do Neymar é jogar pela esquerda, buscando o meio? Ou o escala ali para aproveitar o que faz no clube?

É a real vocação dele. Com abertura para, no futuro, ampliar área de ação. Foi assim com Dorival, com Muricy, com quem conversei. E com Luis Enrique também. Ele ali é mortal, sem ter que buscar muito atrás, é decisivo. Em algum momento, com a equipe ajustada, abrir possibilidade de transitar em área maior, inclusive pela direita. É um plano para o futuro. Precisa de um time mais organizado, entrosado. Foi o estágio que o Corinthians chegou, quando venceu e deu espetáculo.

Por que Neymar tem dificuldade de ter 90 minutos de equilíbrio, sem dar uma entrada como a que deu contra a Colômbia?

Não vi premeditação, foi uma jogada forte. O jogo foi forte, mas leal. Neymar cresceu muito. Em enfrentamentos com o Santos, eu reclamei e critiquei. Neymar foi para o clube certo para evoluir. É injusto compará-lo, no estágio atual, com Messi e Cristiano, jogadores com 29 anos e 31 anos.

Um regulamento da CBF impede a contratação de parentes. Você chegou a refletir sobre trabalhar com seu filho como auxiliar?

Desde que ele começou a se preparar, eu falei: ?Vamos enfrentar uma barra, mas tu vais te qualificar?. Já tinha vivido isso dentro do próprio Corinthians. Eu pedi, desde o tempo de Corinthians, que o Matheus participasse, passando por etapas, começando junto com o terceiro auxiliar de campo. Passei esse dilema. Houve momentos, até no Corinthians, que segurei, falei para não vir agora. Mas disse que buscasse formação científica e o conhecimento de campo, que fosse a clubes europeus, ficasse um tempo no Flamengo. O estigma é inevitável. Mas é um preço que a gente tem que pagar.