Cotidiano

Timóteo Sete, o detetive entre o erudito e o popular de Muniz Sodré

RIO – Timóteo Sete é um policial civil um tanto excêntrico. Neto do famoso malandro Afonso Sete, aprendeu com o avô que o Rio de Janeiro é cidade de Exu, onde manda o Zé Pelintra. Ao mesmo tempo, é capaz de recitar poemas inteiros do modernista espanhol Antonio Machado, apesar de não compreender o sentido dos versos. É esse Sherlock Holmes da zona portuária carioca que conduz a investigação do romance policial ?Bagulho? (Ed. Revan, R$ 38), de Muniz Sodré, professor da Escola de Comunicação da UFRJ e um dos principais pesquisadores na área de Comunicação do Brasil.

2016 910155338-munizsodre.jpg_20160518.jpgLado menos conhecido seu, Sodré é um apaixonado por romances policiais, especialmente americanos e franceses. ?Bagulho? é o seu sexto livro de ficção e sua segunda aventura no gênero. Sua estreia, com o mesmo Timóteo Sete, foi com ?Bola da vez?, de 1993, hoje fora de catálogo. A inspiração para o personagem surgiu de um segurança do Rock in Rio que apareceu numa reportagem do ?Jornal do Brasil? porque falava inglês.

As referências às tradições afro-brasileiras não podem ser dissociadas das suas pesquisas sobre o assunto. O próprio Timóteo Sete, ao transitar naturalmente entre o erudito e o popular, remete ao professor que fala iorubá e crioulo de Cabo Verde, além de inglês, francês, alemão, italiano, entre outras línguas. O professor destaca que o romance incorpora a cultura negra sem folclorizá-la.

? Timóteo Sete é o primeiro detetive negro da literatura policial, e esse é um livro muito carioca, onde a cultura negra entra sem folclore. Essa cultura faz parte da vida do Rio de Janeiro. As pessoas pensam que os evangélicos e os fundamentalistas expulsaram os praticantes do morro e conseguiram acabar com os cultos. Mas não é verdade. A cultura do Exu, do malandro, continua tão viva como antes, mas menos aparente ? afirma Sodré.

Para o professor, o ?verdadeiro protagonista do livro é a cidade do Rio de Janeiro?. Nas suas andanças para solucionar o sequestro de um espanhol, representante de uma organização internacional de direitos humanos que estava na cidade para escrever um relatório sobre meninos de rua, Timóteo Sete vai do subúrbio à Zona Sul, passando por Praça Mauá e Lapa. Ao lembrar-se do avô e dos seus tempos de malandragem, o detetive narra as transformações profundas pelas quais passa o Rio.

Baiano de Feira de Santana, que chegou à cidade ?nos ventos do golpe de 1964?, como diz, Sodré aponta que a cidade, antiga capital do Império e da República guarda certo ?espírito de Corte?. Nas ruas cariocas, havia um trânsito de culturas e um contato entre mundos bastante particular.

? O Rio ainda tem um espírito de Corte. E não só os ricos, mas os pobres também. Aqui, os negros se aproximavam da Corte. Existia até um príncipe iorubá, Dom Obá, que mantinha relações com o imperador. Por isso que se observa aqui uma tendência ao caudilhismo, como a popularidade do Brizola. É o espírito do monarca.