Cotidiano

Sylvie Aprile, historiadora: 'A questão dos exilados e refugiados é recorrente'

“Nasci em Versalhes, nos arredores de Paris. Sou professora de História contemporânea Francesa na Universidade de Lille. Dedico meus estudos aos temas ligados à mobilidade e à circulação de refugiados e imigrantes na Europa do século XIX. Já publiquei um livro sobre o assunto.”

Conte algo que não sei.

Fala-se muito na Europa sobre a crise dos imigrantes, da invasão de novos refugiados que saem de países em guerra, principalmente da Síria. E pensamos se tratar de uma crise inédita, sem precedentes. Mas a História pode nos mostrar algo: a situação atual não é nova, a questão dos exilados e refugiados é recorrente.

Há uma onda maior hoje?

No século XIX, esses imigrantes eram mais numerosos. Se olharmos os números atuais, eles são poucos. Na Europa, os milhões de refugiados chegando representam 0,2% da população. Já o Líbano, um pequeno país que faz fronteira com a Síria, acolhe um milhão de sírios. Isso quer dizer que hoje, no Líbano, um em cada quatro habitantes é sírio. A proporção, em comparação ao que se passa na Europa, é menos importante. O que conta é a maneira como os percebemos.

A resistência ao imigrante é igualmente histórica?

Quando há contratempos, como conflitos e violência (nos países aonde chegam os imigrantes), é porque existem problemas econômicos. Há um sentimento de rejeição nas situações de crise, de dificuldade. Não havia mais hospitalidade no passado do que agora. Existe sempre a ideia de que é preciso tomar medidas contra estrangeiros, refugiados.

No século XIX também havia essa rejeição a imigrantes?

Fazendo um paralelo entre o passado e o presente, o mais evidente hoje é a indiferença das pessoas. Indo além do discurso positivo ou negativo, o mais importante está no fato de que não os vemos mais. No cotidiano, não muda grande coisa na vida das pessoas. Politicamente, podemos julgá-los, mas não é fato tão importante. A menos que sejam pessoas que levam problemas quando chegam a um lugar.

O que mudou do século XIX para agora?

No século XIX, havia grandes figuras nas ondas imigratórias, como Victor Hugo ou Chopin. Havia uma heroização desses refugiados. Agora, temos massas de pessoas. Há, certamente, artistas entre elas, mas não porta-vozes culturais ou intelectuais. Não as ouvimos. Nós falamos muito no lugar delas. Vemos reportagens, mas não ouvimos, ou ouvimos pouco, suas vozes.

Por quê?

Não sei. Não há representantes valorizando esse grupo. Talvez isso tenha ligação com a maneira como a política vê as coisas. O que se passa é que vemos os refugiados como grupo, vítimas, mas não como seres humanos. É muito mais uma visão antropológica, de massa, distanciada; nos interessamos principalmente por sua trajetória, e não pelo que faziam antes. Ninguém é apenas um refugiado, mas um homem, que tem um trabalho e ideias políticas.

Muitos americanos diziam que iriam para o Canadá após a vitória de Donald Trump.

Há sempre pessoas dispostas a partir sem serem forçadas. Preferem outra situação ou escolha possível. Tudo depende de políticas de hospedagem, o que também é muito seletivo, há exigências. É difícil fazer uma distinção entre o exilado e o imigrante econômico, saber quem tem direito à ajuda porque chegou por razões políticas, que é valorizado, ao contrário de quem chega por razões econômicas.

Trump diz que vai deportar milhões de imigrantes…

Fica a ideia de que refugiados são terroristas, criminosos. Isso tem um papel forte, essa imagem. Mas os atentados na França foram praticados por franceses que se tornaram islamitas radicais no próprio país.