Cotidiano

STF interrompe novamente discussão sobre fornecimento de remédios caros pelo Estado

IMG_5838.JPG BRASÍLIA ? A polêmica sobre o fornecimento de remédios de alto custo pelo poder público a pacientes sem condições financeiras para arcar com o tratamento está longe de terminar. Há duas semanas, o Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar dois processos que darão a diretriz para juízes de todo o Brasil em processos desse tipo. O julgamento foi interrompido por um pedido de vista e retomado nesta quarta-feira. Três dos onze ministros já votaram, mas um novo pedido de vista adiou novamente a solução para o caso. Não há previsão de quando o tema voltará ao plenário. links doenças raras

Até agora, os três votos foram diferentes entre si. Se o restante dos ministros fizer o mesmo, ao fim do julgamento será preciso encontrar pontos em comum para formular uma tese. Como há repercussão geral, todo o Judiciário será obrigado a seguir a tese fixada no julgamento de processos semelhantes.

Os três ministros que votaram ? Marco Aurélio Mello, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin ? concordaram que o poder público tem a obrigação de arcar com o tratamento se ficar comprovada a insuficiência financeira do paciente e, também, se o remédio estiver incluído na lista do Sistema Único de Saúde (SUS).

Eles também concordam que, se houver necessidade de importar um remédio que não existe no Brasil, precisa ficar comprovado que o SUS não tem outro produto disponível com o mesmo efeito terapêutico. Também será necessário um laudo médico informando que o medicamento é indispensável para o tratamento do paciente. O produto precisa estar cadastrado no órgão de fiscalização de saúde do país de origem.

Em seu voto, Marco Aurélio, que é o relator dos processos, declarou que, se o medicamento estiver registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o poder público tem a obrigação de fornecer ao paciente, desde que ele comprove não ter condições financeiras para comprar. A regra valeria mesmo se a substância não estiver cadastrada na lista de medicamentos fornecidos pelo SUS.

Barroso e Fachin discordam. Para eles, os medicamentos da lista do SUS devem ser fornecidos obrigatoriamente pelo poder público. Mas, para eles, os remédios não cadastrados na Anvisa podem ou não ser fornecidos pelo estado, a depender do caso concreto. Para o paciente obter o direito, precisa comprovar que foi feito pedido de registro do medicamento na Anvisa, mas a agência demorou para analisar o caso.

Depois dos votos, o ministro Teori Zavascki pediu vista dos processos para estudar melhor o caso. Oito ministros ainda votarão. A polêmica dos medicamentos de alto custo é motivo de constante reclamação dos governos dos estados, que alegam a falta de previsão orçamentária para cumprir decisões judiciais obrigando o poder público a arcar com tratamentos caros. Barroso foi o único que disse, ao votar, que a responsabilidade com os custos provocados pelas liminares é sempre da União, e não dos estados.

Há duas semanas, quando o STF começou a discutir o tema, a advogada-geral da União, Grace Maria Mendonça, fez sustentação oral no plenário dizendo que esse tipo de decisão desestabiliza o sistema de saúde, porque comprometeria o atendimento a outras pessoas. Barroso concordou com o argumento.

– O Judiciário não é o melhor locus para a tomada de decisão em saúde, nem na formulação de políticas públicas. Os recursos são limitados. A ponderação fica sendo entre o direito à vida e à saúde de uns e o direito à vida e à saúde de outros. A vida e a saúde de quem tem condições de ir à justiça não é mais importante do que a vida e a saúde dos invisíveis ao sistema de justiça. É preciso ouvir os que se calam, os que não têm acesso, os que não estão aqui, os que não podem postular em juízo- afirmou Barroso.

O ministro também ressaltou que, quando compra medicamentos por decisão judicial, de forma ?pingada?, o poder público perde o poder de barganha e acaba adquirindo o produto pelo preço de mercado, sem o desconto possível em grandes compras. Barroso também alertou para o fato de que, quando alguém ganha esse tipo de liminar de um juiz, somente um paciente é beneficiado. Isso provocaria a desigualdade de tratamento entre pessoas com o mesmo problema de saúde, já que nem todos entram com ações na justiça.

– O juiz está aparelhado para produzir micro justiça em casos concretos, mas não é equipado para saber o impacto sistêmico e financeiro que a decisão vai causar. O Judiciário deve ser mais autocontido e mais deferente para com as decisões dos órgãos técnicos- afirmou o ministro.

De acordo com Barroso, o caso é um dos mais complexos que já passaram pela Corte:

– Esses dois casos estão entre os mais difíceis com os quais o tribunal se defronta neste momento. Não há solução juridicamente simples nem moralmente barata aqui. Há escolhas trágicas, mas inexoráveis a serem feitas, nessa matéria o populismo não é solução, mas parte do problema.

A discussão começou a partir de processos apresentados por duas pacientes, uma do Rio Grande do Norte e a outra de Minas Gerais. A decisão que será tomada terá repercussão geral ? ou seja, juízes de todo o país serão obrigados a aplicar o mesmo entendimento na análise de processos sobre o assunto. Atualmente, mais de 27 mil ações de pacientes pedindo que o poder público custeie medicamentos estão paralisadas no Brasil, aguardando a decisão do STF.

Em um dos processos, Carmelita Anunciada de Souza pediu ao governo do Rio Grande do Norte medicamento para tratar miocardiopatia isquêmica e hipertensão arterial pulmonar e conseguiu. No outro processo, Alcirene de Oliveira pediu ao governo de Minas Gerais o fornecimento de um remédio para doença renal crônica e não obteve o direito, porque o produto tinha a comercialização proibida pela Anvisa. Os dois casos chegaram à mais alta corte do país por recursos.