Cotidiano

Somos mães para inglês ver

Às vezes sinto como se estivesse vivendo uma comédia. Pelo menos não é drama nem terror. Aquele filmezinho água com açúcar que a gente fica impaciente pela demora em aparecer alguma emoção. Se olharmos pelo lado da conformidade não é um filme ruim e há quem encontre satisfação na eterna rotina que até não é difícil de ser mantida, mas a falta de reconhecimento é algo que nos consome. Desculpe a intimidade do “nos consome”. É que acredito terem muitas mães por aí vivendo o mesmo papel só trocando nome e endereço.

Quer ver?

A comédia, protagonizada por meu marido, teve início no dia em que ele anunciou nossas férias em um hotel fazenda. Vamos trocar os ares, trocar o vocabulário e não quero ouvir, me disse ele, “Joãzinho, olha o carro!”. “Joãozinho cuidado com o fogão!” “ Joãozinho não beija o cachorro! Ele vai te morder!!!” “Guri, fica longe desse buraco!!” Além disso, meu marido estava convicto de eu teria alguns momentos de descanso, palavra que no dicionário parece ter um significado bem diferente para homens e mulheres porque uma mãe não descansa em um hotel fazenda, entende? Bom, se você é homem eu não posso exigir muita empatia, melhores serão minhas chances de ser compreendida se você for mulher. E mulher com filhos pequenos. Então, mulheres, pensem comigo: a gente descansa em um hotel fazenda? Já no segundo capítulo da minha comédia chega-se à conclusão de que não, não se descansa em um hotel fazenda, aliás em hotel nenhum, e disso eu já sabia antes mesmo de sair de casa, daí rotular minhas férias como a comédia água com açúcar: não haveria emoção nenhuma. No capítulo três, o telespectador já não aguentaria mais o “Joãozinho, olha a carroça!” “Joãozinho tira a mão do fogão à lenha!” “Joãzinho não beija a vaca! Cuidado com o coice!!!” “Fica longe dessa piscina!!!”. Bom, pelo menos mudei o vocabulário que tanto irritava meu marido, este sim na maior folga ficando horas no pesque pague.

Quando nós mulheres dissemos que estamos cansadas não é por ter feito o almoço, trocado fraldas de madrugada ou ter dado banhos nas crianças. Ou melhor, não é só isso o que leva nossa energia.  O cansaço tem raízes mais profundas. Há seis anos não sei o que é dormir por pelo menos quatro horas sem levantar para ver um dos filhos. Oito horas? Nunca mais. Às dez da manhã começa a função do que fazer de almoço, de janta. O cérebro trabalha até mesmo dormindo e onde quer que eu esteja um relógio biológico me avisa ser quase seis da tarde, hora de parar tudo e pegar meus filhos na escola. Acabou a função? Não, é o segundo hound dela. O terceiro é de madrugada.

Fique um ano assim, dois, três. Agora fique dez, doze, quinze. A professora de história que pegou no pé do seu filho, os temas de matemática, a faringite. Caxumba veio atrasada e dê-lhe aula para recuperar. Maridos que me perdôem, mas férias com filhos não são férias. É como ir para o nordeste e levar o lap top. O cérebro não relaxa, não fica de pernas para cima recarregando as baterias. Os compromissos com os filhos jamais nos abandonam mesmo quando estamos longe deles.

Entendeu agora o cansaço?  E quando conseguimos uma hora de repouso, pessoas a nossa volta nos perguntam: tá cansada do que? Não ficou uma hora sem fazer nada? Como se uma hora tivesse o poder restaurador de um dia inteiro em um spa….

Pior de tudo é ter que ficar quieta. Se falarmos alguma coisa, somos as reclamonas e existe uma razão para isso. Se as pessoas nos olharem como seres humanos – sem essa aura de mãe protetora, o pedaço de anjo que Deus colocou no mundo – significa que nossa filha terá que nos ajudar na cozinha, que o filho terá que arrumar a cama antes de sair de casa e que o marido deverá ter sua parcela de tarefas também. Sentiu o drama¿ Pois é, mas aqui começa a emoção, as brigas e desavenças no filme de qualquer cidadão. E nós, mães, já começamos perdendo. No meu caso, 3 contra 1. A mãe é o cimento que mantém a família unida, mas ninguém pergunta se  ela está vergando com o peso dessa construção. “A mãe reclama demais”, vão dizer. O golpe de misericórdia também é nosso conhecido: “quem mandou ter filho?”. E não são apenas as pessoas do nosso convívio que dizem isso para não ter que sair da cadeira. A sociedade exige isso, que a mãe chore de portas fechadas, e de preferência sozinha. Até o Estado se esconde atrás de uma mãe. Ele precisa que nasçam mais pessoas para, dentre outras coisas, não quebrar a Previdência em menos de 15 anos. Mães fazem os filhos, jovens que vão manter o sistema, mas quando precisam do Estado para a saúde e segurança deles descobrem que estão sozinhas na guerra diária que é manter o bem estar da nossa família. O “nossa” agora soou mais íntimo, não é? Não me causa estranheza, como eu disse só muda nome e endereço, ser mãe pode ser muito bonito mas quase sempre precisamos assumir papéis de heroínas, de super mulheres que aguentam tudo e todos sem reclamar, um personagem meio fake mas que inglês adora ver.

Vivian Weiand