Variedades

Somos livres ou ridículos?

Outro dia meu filho gritou, nos fundos da loja de brinquedo, que tinha visto a vó da Barbie. Aquela parafernália de tecnologia e outros brinquedos modernos estimulam o imaginário infantil, mas que boneca era tão feia ou antiga assim para ganhar o título de avó da Barbie?

– Aquela ali, ó, mãe! – disse ele apontando para uma mulher. – Ai!!! Não aperta meus dedos!!!!

É verdade, apertei, e bem apertadinho enquanto vazava com meu guri para outro canto da loja. A avó da Barbie, de carne e osso, ergueu a cabeça em direção ao som daquela voz, meu filho, e para mim lançou um olhar de desprezo. A ingenuidade de uma criança mais uma vez paga por sua mãe. A comparação, inocente e espontânea, foi inevitável. Se tivesse minha idade, meu filho teria uma outra percepção. A figura lembrava muito da Barbie, seus cabelos longos e louros roçando em uma bolsa branca de pele de coelho, a blusa transparente com paetês, o shortinho curto e rasgado na frente, mas as botas brancas eram indiscutível herança do tempo das paquitas. Agora pegue isso tudo e coloque em uma pessoa com a figura física da Hebe Camargo. Então: é ou não é a avó da Barbie?

Do outro lado da loja, expliquei, pela enésima vez, que não se grita em locais públicos muito menos se aponta dedos para avós de qualquer boneca, conselho que meu guri logo esqueceu para subir em mais um brinquedo. A avó da Barbie, contudo, não perdeu a oportunidade de passar por mim e dizer alguma coisa a respeito da má educação que eu dei ao meu filho.

Não, não foi falta de respeito, foi admiração: meu filho realmente estava diante da avó da boneca mais famosa da escola. Tá certo que, hoje em dia, cada um faz do seu corpo o que quiser e talvez ser apontado por crianças seja um efeito colateral disso que deve ser entendido como parte do universo deles. Fiquei imaginando se a mulher, avó da Barbie, não se livrou do jugo do marido e finalmente só agora pode se vestir do jeito que sempre quis, o que não deixa de ser uma forma de expressar um pouco de si e, quem sabe, até mesmo de ser feliz, mas isso não a isenta de ser foco do olhar curioso – e ingênuo – das crianças que maravilhadas vêem seus personagens passeando livremente em lojas de artigos infantis.

Desculpe, vó da Barbie, foi coisa de criança, e talvez você saiba que segurar a boca dos pequenos não é tarefa fácil. O que importa é ser feliz, seja pintando os cabelos de cor de rosa, tatuando o corpo ou se vestindo como o Batman, a Barbie, seja lá quem habite nossos sonhos. Podemos ser livres e fazer o que bem entender com nossa vida, mas em nenhum momento isso nos dá o direito de sancionar as crianças por fazerem a mesma coisa, por exercerem, a plenos pulmões, a liberdade de seus mais sinceros e ingênuos pensamentos. Nunca mais vi a avó da Barbie, mas a curiosidade continua. Ontem tive de pedir desculpas a mulher do síndico. Os cabelos enormes e com cor de fogo foram demais para meu menino.

– Mamãe, a tia é uma bruxa?

A bruxa, pelo menos, sorriu e entendeu.