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Shelly-Ann Fraser-Pryce e a busca pelo inédito tricampeonato olímpico

Eugene, Oregon, EUA – Dona de uma autoestima elevadíssima, a jamaicana Shelly-Ann Fraser-Pryce, de 29 anos e 1,53m de altura, faz questão de citar seus títulos para garantir que chegará bem aos Jogos do Rio e tentará o inédito tricampeonato olímpico nos 100m rasos. Apelidada de Pocket Rocket (Foguete de Bolso, em português) desde os tempos de colégio, ela se recupera da pior lesão de sua carreira: uma dor no dedão do pé esquerdo que a vem acompanhando desde o ano passado. Por este motivo, ela só estreou na temporada anteontem, chegando em último lugar, com 11s18, no Meeting de Eugene, no Oregon.

O tempo e a posição, aparentemente, não preocuparam a velocista, que disse não ter pretensões quanto à prova e competiu apenas para ver como estava na temporada.

— Eu queria apenas competir. Sei que posso correr mais rápido que isso. Sou bicampeã olímpica, tenho algumas medalhas em mundiais (sete de ouro). Portanto, eu sei o momento em que preciso estar pronta para chegar bem ao Rio — disse Shelly logo após a prova, que foi vencida pela americana English Garden, com 10s81. No ano passado, com os mesmos 10s81, Shelly venceu a competição em Eugene.

Na véspera da prova, Shelly-Ann falou tranquilamente sobre a lesão no pé. Foi a primeira vez que ela abordou o problema publicamente e deu a entender que estava totalmente recuperada. Em consequências dessas dores, a jamaicana deixou de ir a Rabat, no Marrocos, para a terceira etapa da Liga Diamante, no último dia 22. Após a prova em Eugene, ela não quis mais comentar a lesão. Foi o único assunto que se esquivou de responder.

— Shelly-Ann não havia falado sobre a lesão ainda. A primeira vez foi em Eugene. Para os jamaicanos, a lesão é preocupante, pois ela perdeu meses importantes de preparação nesta reta final para o Rio. Mas podemos esperar tudo dela. Ela disse que essa está sendo a pior lesão de sua carreira, mas em 2009 ela teve uma apendicite poucos meses antes do Mundial de Berlim e foi campeã nos 100m e no revezamento 4x100m — disse o jornalista Andre Lowe, do jamaicano “The Gleaner”.

A velocista, entretanto, explica que o mais importante neste momento é trabalhar a cabeça.

— Já fui campeã muitas vezes. Sei que agora eu preciso trabalhar mais a parte mental do que a física. Meu corpo já sabe o que fazer para vencer. Mas a minha cabeça precisa estar boa — explica Shelly-Ann.

COMPARAÇÕES COM BOLT

Aparentemente, Shelly-Ann demonstra estar fazendo bons exercícios mentais. Após a derrota em Eugene, onde teve adversárias como as americanas Tianna Bartoletta (que anotou 10s94 na prova) e Carmelita Jeter (11s16) e sua compatriota Simone Facey (11s09), a bicampeã olímpica não estava abatida. Pelo contrário, estava com um largo sorriso.

— Realmente, só corri essa prova para ver como estava na temporada. Não tinha expectativas quanto ao tempo — afirma Shelly-Ann.

A velocista é famosa na Jamaica, mas não está no mesmo patamar de seu compatriota Usain Bolt, que também buscará o inédito tricampeonato olímpico nos 100m. Em um momento em que o mundo clama por mais igualdade entre gêneros, alguns feitos ajudam a entender essa diferença de reconhecimento entre Bolt e Shelly. Além dos títulos nos 100m, o jamaicano também é bicampeão olímpico nos 200m e no revezamento 4x100m. Ele tem onze medalhas de ouro em mundiais. E ela, sete.

Bolt é dono dos três melhores tempos (9s58, 9s63 e 9s69) da história dos 100m e recordista mundial dos 200m (19s19). Já Shelly é a mulher mais rápida da história da Jamaica, mas seu melhor tempo (10s70) a coloca como a quarta do mundo, atrás das americanas Florence Griffith-Joyner (10s49), Carmelita Jeter (10s64) e Marion Jones (10s65).

TRANÇAS COLORIDAS

Bolt, no entanto, já disse mais de uma vez que a Rio-2016 pode ser a sua última participação olímpica. Já Shelly prefere não tocar no assunto. Caso os dois cheguem ao tricampeonato dos 100m em terras cariocas, Shelly, teoricamente, estaria livre para tentar ser a primeira tetracampeã da prova em Tóquio-2020. Hoje, ambos estão com 29 anos.

— Claro que ela não é tão famosa quanto Bolt. Acho que ninguém é tão famoso quanto Bolt. Mas Shelly, sem dúvidas, é uma grande personalidade na Jamaica — garantiu Andre Lowe. — Ela tem uma vida reservada. Mas as pessoas gostam dela. Tem também um instituto que leva seu apelido (Pocket Rocket) e ajuda jovens talentos do atletismo que não têm tanto apoio financeiro.

O jornalista jamaicano conta que Shelly-Ann veio de uma comunidade pobre de Kingston, capital da Jamaica, e sua história de vida é referência no país. Muitos jovens jamaicanos de classes sociais mais baixas veem o atletismo como uma maneira digna e eficiente de crescer na sociedade. E Shelly é um exemplo de que isso é possível.

A jamaicana também tem carisma e gosta de pintar o cabelo com cores chamativas. No Mundial de Moscou, na Rússia, em 2013, ela pintou as pontas de rosa. Em Pequim, usou tranças verdes. Em Eugene, trocou o verde pelo cinza e azul. Para a Rio-2016, ela ainda precisa passar pelo pré-olímpico jamaicano, que acontece no próximo dia 30, mas não deve manter esse cabelo. Afinal, ao ser perguntada sobre a opção bicolor, ela disse que não tinha um motivo especial, mas que esperava que desse sorte. Mas o último lugar nos 100m em Eugene não deve lhe deixar boas recordações, apesar de não ter perdido o bom humor após a prova.

O repórter viaja a convite da IAAF