Cotidiano

Sem se preocupar com tamanho

RIO – São dois mundos completamente diferentes, mas com algo em comum. A pequenaYZF-R3 e a grandona MT-09 Tracer são ícones de uma Yamaha que, depois de anos de letargia, quer maior protagonismo no mercado brasileiro de motocicletas.

Alcançar a líder isolada Honda ainda é sonho distante ? exigiria investimentos gigantescos em capacidade produtiva e distribuição. Mas, pelo menos, a marca já mostra na teoria o que, no resto do mundo, é conhecido na prática: capacidade de fazer produtos tão bons quanto os da rival (e também de Suzuki e Kawasaki).

A R3 é pequena no tamanho, mas enorme na ousadia. A concorrente Honda nunca teve coragem de investir em uma verdadeira esportiva de baixa cilindrada. Sobrou para a Kawasaki, que, menor, sempre colheu bons resultados com a Ninja 300.

Com motorzinho de 320cm³, a Yamaha R3 parece maior. É a irmã carenada da naked MT-03 (que, inclusive, foi lançada depois) e tem muita personalidade com seu desenho agressivo e charmoso na medida certa, e a soma de grafismos e cores (azul, vermelha ou preta) de bom gosto e sem excessos.

ENROLANDO O CABO

Acelerá-la é um prazer. É uma esportiva feita para a cidade, é fato, mas que até permite tiros curtos em estradas. A posição de pilotagem surpreende pelo relativo conforto ? não se fica muito inclinado à frente, o que evita o cansaço dos braços. A carenagem protege razoavelmente bem contra o vento e não há esforços no acionamento de manetes e pedais: está tudo no devido lugar.

O motor é típico de esportiva. Sonolento em baixos giros, mas de rabinho em pé quando o dois em linha de 42cv está girando lá em cima. E é lá no alto mesmo: a potência máxima vem nos 10.750rpm – coisa de esportiva de grande cilindrada! É preciso usar bastante o câmbio para manter o motor cheio, mas em esportivas isso é diversão, não trabalho.

Outro barato da R3 é sua agilidade. Esportivas só funcionam bem quando têm entre-eixos curto em relação ao comprimento, e o modelo segue bem esta receita. Em apenas alguns minutos já se tem o domínio total da máquina e logo é possível tirar dela muita diversão, deitando bem nas curvas e explorando sua maneabilidade ao extremo.

Os pontos negativos? Pouco se vê pelos espelhos retrovisores (falha grave em uma moto urbana), o banco é bem duro (coisa tradicional nas Yamaha) e o espaço para a garupa é mera licença poética ? quem for ali vai sofrer com o espaço limitado, as pernas muito dobradas e as pedaleiras minimalistas. É moto para brincar sozinho, embora o preço de R$ 21.462 não seja exatamente de causar risadas (a Ninja 300 custa R$ 20.990).

Hora de crescer e aparecer na MT-09. Aqui temos uma super touring com pitadas de big trail: a moto tem frente carenada e recursos bacanas para dinamizar a pilotagem, como controle de tração desligável, três modos de pilotagem e suspensões ajustáveis na prá-carga. O bom pacote inclui faróis e lanterna com LEDs, computador de bordo, tomada 12v e guidom, banco, e para-brisa com ajustes.

A Tracer é exatamente o contrário da R3: desajeitada no mundo urbano, mas à vontade na estrada. A posição de pilotagem é ótima: trail, com a coluna ereta e pés na reta do quadril. Como a moto é alta, o piloto fica que nem um periscópio com vista panorâmica ? enxerga-se tudo ao redor, com sensação de poder.

A GARUPA REPROVOU

Não fosse pelo banco, que é anatômico, mas duro (de novo), seria moto para rodar até o fim dos tempos. Mas não acompanhado: minha garupa não curtiu sua seção igualmente rígida demais e a posição das pedaleiras, que deveriam ser um pouco mais baixas.

Então, fui explorar a Tracer sozinho. Lembra das big trails e super tourings com seus enormes motores de quatro cilindros? Esqueça tudo o que aprendeu. Naqueles, as peças móveis internas são menores e mais leves. Aqui, temos um três em linha, e cada caneco desloca 283cm³. Isso significa respostas mais lentas, com o motor demorando um pouco mais para encher. Lembra famosos V2, como o da Suzuki V-Strom, por exemplo.

Mas isso não demérito. A proposta aqui é torque e, nesse aspecto, temos o mundo a nossos pés. Engrene a primeira só pra sair do lugar, suba de marchas rapidamente pelo menos até a quinta, curta o ?pou-pou-pou-pou? grave e compassado do motor e esqueça da vida. Você acelera e desacelera e a força está toda lá. Nada de trocas de marcha frequentes nem solavancos ou engasgos.

A brincadeira, então, é aproveitar a paisagem ? que pode ser até por eventuais caminhos sem asfalto. A Tracer não é uma trilheira, mas suas suspensões de curso longo permitem pequenas ousadias. Para aventuras maiores, será preciso botar pneus mais ?biscoitudos?. Aí, basta desligar o controle de tração para fazer farra com derrapagens controladas.

O para-brisa protege bem do vento. O painel é completíssimo, mas seu visual quadrado não é lá muito bonito. No modo de pilotagem standard, as respostas são mansas, porém, torcudas. No modo ?A?, parece que a moto pirou: torna-se quase uma esportiva e exige mais atenção ? porém, proporciona muito mais emoção. Mas já não fica tanto confortável de levar.

Bateu preguiça? Passe para o modo ?B? e a moto responderá na mesma medida, sem sustos e com docilidade.

No fim, o standard é mesmo o melhor jeito de curtir a excepcional estabilidade e a grande sensação de segurança proporcionados por essa moto. De tão bom, seu conjunto que quase nos faz esquecer do alto preço cobrado pela Yamaha: R$ 47.327.