Cotidiano

Sem fechar: estabelecimentos da Zona Sul do Rio que funcionam 24 horas

2016 909776323-201605161009184271.jpg_20160516.jpgRIO ? O que uma padaria e uma lanchonete podem ter em comum com um estúdio de tatuagem? E um botequim com uma farmácia? Todos esses estabelecimentos optaram pelo funcionamento 24 horas para satisfazer as necessidades dos clientes. Seus donos decidiram abrir as portas e, literalmente, nunca mais fechar. A opção permanece mesmo com a maioria expressiva deles afirmando que, para o negócio, o período integral tem mais contras do que prós. O costume cultivado por essas casas em seu público, entretanto, impede que os empresários mudem a rotina. É como exemplifica Antônio Barbosa, um dos sócios da padaria Rio-Lisboa (2294-4860), no Leblon, desde 1977:

? Abrir 24 horas tem mais benefícios para o cliente do que para nós, comerciantes, mas é uma necessidade que precisamos atender, um hábito que foi criado. Se a freguesa estiver lá no Alto Leblon fazendo um bolo e perceber que falta um ingrediente, ela vai pensar ?a Rio-Lisboa está aberta, eu vou até lá??. Os clientes estão acostumados. Se eu fechar, como é que fica? ? indaga Barbosa.

Na Rio-Lisboa, o cliente pode encontrar de tudo um pouco. O local funciona como um minimercado ou mercearia, além da parte de panificação. Os doces também são destaque, como o pastel de nata, um dos produtos mais pedidos.

Depois de contar a história de uma freguesa que saiu da padaria e se deparou com um assaltante que só queria seu pão de queijo, Barbosa relata que, em relação à segurança, surpreendentemente, o horário integral pode ter, sim, as suas vantagens:

? Em termos de assalto, são muito perigosos os horários de fechamento e de abertura de qualquer estabelecimento. Sendo assim, como estamos aqui sempre, é mais difícil isso acontecer ? avalia Barbosa.

Já o grupo Megawartz (3624-8802) decidiu trazer o conceito do funcionamento 24 horas para o universo das tatuagens e piercings. Após 15 anos na Lapa e no Centro, o grupo inaugurou, há uma semana, na Rua Maria Quitéria 70, em Ipanema, um estúdio que fará atendimentos em tempo integral. A iniciativa partiu da empresária e tatuadora Hélida Yama, uma das organizadoras da Tattoo Week Rio. Hélida conta que passou a observar a demanda dos clientes por um atendimento fora do horário convencional de trabalho.

? Normalmente, as pessoas começam a sair do trabalho entre 18h e 20h. E, como a tatuagem leva muitas horas, elas encontram dificuldades para dispor do seu tempo para o trabalho do tatuador. As pessoas acham essa possibilidade o máximo, inclusive os turistas e aqueles que gostam da noitada e querem marcar o momento com uma tatuagem ? afirma Hélida.

Outra observação da empresária na hora de tomar essa decisão foi o funcionamento dos estúdios em outros países:

? Durante as viagens e convenções internacionais, eu percebi que há uma demanda noturna. A tatuagem é bem presente na noite das grandes capitais, e o Rio é uma grande capital mundial. Já Ipanema é um local turístico, então achei que era o bairro ideal para trazer essa novidade ? justifica.

Assim como Hélida, João Brandão, proprietário do Boteco Cabidinho (2527-2942), em Botafogo, mirou nos viajantes e boêmios:

? Cheguei aqui há oito anos e tive a ideia de abrir 24 horas. Há pessoas que chegam tarde de viagem e não têm onde comer ou então saem da noitada e vêm de táxi, com fome. Aqui, elas podem parar para um lanche rápido, um pastel, um sanduíche… ? conta Brandão.

O empresário aponta que, por abrir nesse período, lida com desafios, como o reforço na segurança, as badernas esporádicas e uma saia-justa de vez em quando. Um garçom da casa conta que, certa vez, uma cliente brigou com o namorado, bebeu além da conta e resolveu dormir por ali, na mesa. Restou ao garçom guardar a bolsa e oferecer um suco quando a cliente acordou pela manhã. Os pedidos inusitados também fazem parte: há quem solicite uma farta picanha na madrugada, lá pelas 3h. É justamente nesse horário que terminam as entregas do Cabidinho, que também investe no delivery.

BULAS DE REMÉDIOS E HISTÓRIAS

2016 910596500-201605191801388493.jpg_20160519.jpgOutra colecionadora de casos inusitados é a Catarina (3594-1541), lanchonete com unidades em toda a Zona Sul. Apesar do novo nome, as casas têm história. A marca é resultado de uma divisão entre sócios que transformaram filiais das tradicionais lanchonetes Fornalha em Catarina. Na unidade da Praia de Botafogo, existe até setor de achados e perdidos para guardar, entre outros objetos, os vários documentos esquecidos pelos que passam por lá depois das baladas, principalmente para comer uma coxinha de frango com requeijão, carro-chefe da lanchonete.

? As pessoas esquecem de tudo, de mochila a muleta. Teve até cliente que esqueceu a mulher e depois voltou para buscar ? brinca a gerente, Valéria Costa.

Ela conta que o local funciona 24 horas há quatro anos, quando o dono percebeu que no entorno não havia opções de lanches e de pontos de encontro no avançar da noite.

? Os clientes da madrugada são os jovens e também pessoas que trabalham nesse horário. O público noturno é muito mais agitado, então isso requer paciência. Mas deu certo. Aqui virou mesmo um ponto de encontro, os taxistas já conhecem. No final, a conta fecha, e os funcionários gostam da divisão de turnos que foi criada ? relata a gerente.

Já para Ricardo Valdetaro, sócio da Farmácia do Leme (3223-9000), às vezes, na ponta do lápis, surge um prejuízo. Mas o farmacêutico não pensa duas vezes na hora de manter a tradição estabelecida por seu pai, em 1967. Valdetaro conta que o novo horário foi adotado na farmácia, criada em 1933, sob influência do ?Beco da fome?, que abrigava botecos e restaurantes pequenos.

? Os artistas frequentavam bastante. Tinha o quibe, a sopa da Lindaura, uma porção de comidas. As pessoas ficavam até 2h, 3h. Foi nessa época que o meu pai começou a prolongar o horário. Havia um grande movimento ? explica.

Para Valdetaro, a segurança é um dos fatores que tornam mais difícil a manutenção de um estabelecimento aberto por 24 horas atualmente:

? Antes, o carioca mais boêmio ia muito ao teatro, aos restaurantes, até tarde da noite. Hoje, há insegurança, a cidade ficou violenta. Muita gente não sai mais à noite, e isso fez com que o movimento caísse ? avalia.

A clientela da farmácia era formada, em sua maioria, por consumidoras de maquiagem e cosméticos, como as funcionárias da Barbarella, boate vizinha. Hoje absorve a demanda de hospitais, em busca de produtos indisponíveis no estoque, e também de clientes que precisam de atendimento urgente, durante a madrugada.

? Há casos de picos de pressão alta. Nós aferimos e encaminhamos para os hospitais. Há mães cujos filhos estão com falta de ar e precisam achar um remédio que o médico passou para fazer nebulização. Poder ajudá-los é muito gratificante ? afirma Valdetaro.