Cotidiano

Saraiva fará assembleia para destituir minoritários

RIO – Uma das maiores livrarias do país, a centenária Saraiva se meteu em uma briga societária que vem dando dor de cabeça aos controladores e levantando polêmica entre organizações de defesa dos minoritários. Nesta quinta-feira, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) adicionou um ingrediente a mais na briga ao decidir manter a assembleia de acionistas convocada pelos controladores para destituir do Conselho de Administração da Saraiva o coreano Mu Hak You, presidente da gestora GWI, que é acionista da empresa.

A assembleia será na próxima segunda-feira. A decisão da CVM foi tomada em uma reunião extraordinária, convocada especialmente para analisar o caso da Saraiva. Nela a autarquia concluiu, por unanimidade, que tanto Mu como Ana Maria Loureiro Recart, advogada ligada ao investidor coreano e que ocupa uma cadeira no Conselho Fiscal, poderão ser destituídos e responsabilizados por supostos atos ilegais. A GWI questionava a convocação da assembleia.

Por três votos a dois, a CVM decidiu, porém, que só os que têm ações preferenciais (sem direito a voto) poderão votar a destituição. Os controladores ficarão de fora. O órgão determinou ainda que os direitos societários da GWI não poderão ser suspensos “por atos de conselheiros que ela elegeu”. A família Saraiva propunha a suspensão dos direitos da gestora e queria excluí-la da votação de segunda-feira, o que também foi negado pela CVM.

INVASÃO EM SEDE DA LIVRARIA

A briga entre o minoritário coreano e os controladores da livraria envolve acusações, por parte da família Saraiva, de manipulação de mercado e informação privilegiada pelo investidor e até violação de propriedade. A família pediu à CVM que investigasse o investidor por indícios de tais crimes.

Mu, por sua vez, tem publicado anúncios em jornais acusando os controladores de quererem calar vozes dissonantes, bem como de levarem a empresa “à beira da insolvência”, por sua má gestão. A briga extrapolou as salas do Conselho de Administração e da CVM e chegou até a Justiça.

No último dia 8, os controladores da livraria propuseram realizar uma assembleia para afastar Mu e Ana. Eles haviam sido eleitos em abril. Mu começou a comprar ações da Saraiva em agosto de 2015, alcançando uma fatia de cerca de 40% em abril passado, o que lhe permitiu eleger um membro em ambos os conselhos.

Segundo documentos anexados pela Saraiva à convocação da assembleia do próximo 25 de julho, desde então, Mu tem solicitado sistematicamente informações operacionais da companhia e teria usado tais informações para ganhos pessoais.

Além disso, os Saraiva o acusam de criar condições artificiais de demanda e oferta das ações, ao comprar e vender lotes numerosos de papeis, influenciando no preço. As ações preferencias (sem direito a voto) da livraria são pouco líquidas, ou seja, têm baixa movimentação. Neste ano, elas caíram 24,5%. Nesta quinta-feira, fecharam a R$ 3,72, com alta de apenas um centavo ante o dia anterior.

‘INSOLVÊNCIA IMINENTE’

Os controladores também acusam Mu de ter invadido a sede da empresa em pleno feriadão de Corpus Christi e de ter mexido em papeis da compahia. Por fim, o acusam de abuso de direito de acionista ao convocar uma assembleia para “com o objetivo de deliberar sobre a atual situação econômico-financeira da companhia para mitigar a possibilidade iminente de insolvência”. A assembelia foi suspensa pela Justiça, a pedido dos Saraiva. Procurada, a Saraiva não fez comentários.

A GWI diz que as acusações dos controladores sobre informação privilegiada e manipulação de mercado “são infundadas e serão respondidas nas instâncias competentes”. Acrescenta que Mu fez “uma visita institucional programada” à sede da Saraiva que ele ficou suspreso em não encontrar nenhum dos 13 diretores na empresa. Era 27 de maio, dia últil, embora em meio ao feriadão de Corpus Christi.

Perguntado se acreditava que a empresa deveria pedir recuperação judicial ou contratar uma consultoria para reestrutração, Mu disse por email que “continua disposto a contribuir ativamente para o crescimento do negócio em conjunto com os demais acionistas”.

O coreano é polêmico. Os fundos que estão sob seu guarda-chuva costumam adotar posições agressivas no mercado. Em 2011, o investidor apostou nas ações do frigorífico Marfrig e concentrou demais os investimentos de um de seus fundos. As ações despencaram e o fundo ficou com patrimônio negativo, com prejuízo para os cotistas. O caso gerou um processo sancionador na CVM, uma vez que o GWI desrespeitou regras do próprio fundo. Mu tentou encerrar o caso propondo pagar R$ 60 mil, mas a CVM não aceitou o termo de compromisso. O processo está em curso.

ASSOCIAÇÃO TEME AMEAÇA A MINORITÁRIOS

Independentemente do perfil de Mu, o caso Saraiva vem despertando preocupação entre os minoritários. A Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec) disse em nota ontem que “enxerga nos fatos em curso que envolvem a Saraiva uma grave ameaça à integridade das ferramentas legais que conferem à minoria a capacidade de monitorar e fiscalizar as companhias que captam recursos do público”. E acrescentou: “é crucial que tanto a CVM quanto o Judiciário estejam sensíveis a esta ameaça, e compreendam a importância de agir preventivamente, antes que seja imposto dano irreparável à minoria”.

Para o professor de direito societário do Ibmec e ex-procurador da CVM, José Eduardo Cavalcanti, caberá à CVM investigar o comportamento do investidor. Ele salienta que, como conselheiro, Mu pode pedir qualquer tipo de informação à empresa, pois uma de suas funções, como minoritário é justamente a de fiscalizá-la. Mas “ele não pode usar a informação confidencial para obter ganhos no mercado de capitais, pois isso configura crime”.

Cavalcanti também explica que qualquer investidor com mais de 5% das ações pode convocar uma assembleia, desde que tenha feito o pedido aos administradores da companhia e que estes não tenham dado resposta em até oito dias. O que o professor avalia ser passível de questionamento é a forma como a assembleia, depois suspensa pela Justiça, foi convocada:

— Houve uma inabilidade dele ou uma ação propositada de expor a companhia ao descrédito. Falar em insolvência pode causar problemas de imagem à empresa e acabar precipitando uma situação, como a própria insolvência.

A situação da Saraiva vinha causando preocupação no mercado. Em 2014 e nos primeiros nove meses de 2015, a compahhia teve prejuízo. Com a venda da editora Saraiva para o grupo Abril, anunciada em junho, a empresa acabou fechando o quartro trimestre do ano passado no azul, encerrando o ano com lucro líquido de R$ 239 milhões. No primeiro trimestre de 2016, o lucro foi de menos de R$ 300 mil e a dívida continuava alta: em R$ 572 milhões.