Cotidiano

Sandra Caselato, psicóloga: 'Conflitos são coisas boas'

201607192342086496.jpg ?Tenho 44 anos , sou paulista. Desde adolescente, quando comecei a treinar aikido, me interesso pela transformação de conflitos. Como meu marido é israelense e ativista por direitos dos palestinos, me envolvi com a questão palestina. Trabalhamos juntos. Moramos no Japão, e lá conhecemos a comunicação não-violenta.?

Conte algo que não sei.

Conflitos são coisas boas, mostram que há alguma coisa que precisa ser transformada. Por exemplo, uma máquina, quando não funciona bem, acende uma luz vermelha. É como se fosse o conflito. É um sinalizador de algo que não está bem e precisa ser modificado. Quando alguém tem alguma atitude que chamamos de violenta, agressiva, é sinal de que alguma coisa não foi cuidada antes.

E qual a melhor forma de resolver esses conflitos?

Tem pesquisadores que começaram a chamar de ?transformação? de conflitos, em vez de ?resolução?. Essa ideia de resolver muitas vezes fica no manejo da coisa que está desagradável, mas a causa, a coisa que está lá no fundo, e que é sinalizada, ainda não está sendo cuidada. Se a gente só lida com a superfície, vão aparecer outros sintomas em outros lugares. A ideia de transformar os conflitos é conseguir entender mais profundamente o que esse conflito quer dizer, o que está por trás disso.

Isso funciona tanto para questões pessoais como para conflitos maiores?

O conflito é algo que faz parte da vida, não vai deixar de existir. Vou para a esquerda ou para a direita? Quero sorvete de chocolate ou de morango? Tudo isso posso considerar como microconflitos. As pessoas são diferentes. O conflito ajuda a equalizar o que a gente precisa melhorar para estar bem nessa relação. Entre grupos, também. Numa sociedade, por exemplo, onde há grupos que não têm suas necessidades atendidas, haverá uma reação, em algum momento. A comunicação não-violenta lida com conflitos intrapessoais, entre duas pessoas ou grupos, ou até mesmo conflitos internacionais.

O aikido é uma representação física da comunicação não-violenta?

Sim, em muitos aspectos. O que é importante nessas duas práticas é que estão trazendo certos princípios. No aikido, a prática física é uma forma de compreender, de chegar a esses princípios. A comunicação não-violenta também. É a comunicação no sentido de relação, conexão. A intenção é investigar o que favorece a conexão entre pessoas, o que ajuda a transformar uma dificuldade em uma situação de ganha-ganha. Não vejo como técnicas, método.

O uso da violência pode ser justificado contra governos autoritários?

Não é questão de justificar, de dizer que está certo ou errado. Mas consigo compreender que é a única saída que essas pessoas veem. Talvez haja outras, mas essas pessoas não estão vendo.

Mas as saídas não-violentas podem ser mais eficazes?

Algumas pesquisas mostram que a porcentagem de sucesso é muito maior em transformações não-violentas. O pesquisador Gene Sharp fala que você precisa converter o seu inimigo em aliado. Mas não é questão de demonizar o que é violento. Não-violência não é oposição à violência. É um conceito mais amplo, tem a ver com Gandhi; está ligada ao poder desencadeado quando a vontade de ferir o outro é superada.

Como foi a sua experiência na Palestina?

Muito do ativismo que está acontecendo na Palestina tem a ver com essa resistência não-violenta. Eles fazem muitas coisas que são manifestações até engraçadas, ou encenações, que chamam mais atenção da mídia. O oprimido não quer matar o opressor, quer que essa situação não exista mais, que ninguém seja opressor.