Cotidiano

Sálua Chequer, educadora e pesquisadora: 'A gente deixa de ser criança quando quer'

“Tenho 60 anos. Nasci em Itabuna, mas cresci em Ibirataia, ambas no interior da Bahia. Meu nome é de origem libanesa e significa ?salve?, algo de bom que se deseja a alguém. Cresci sem luz elétrica até os 16 anos. Vi mais do que se tivesse tido luz. Brincava com vaga-lume na rua e me guiava pelo rastro da lua para caminhar na cidade.”

Conte algo que não sei.

Temos uma influência ibérica muito grande na produção dos nossos brinquedos, embora alguns tenham surgido muito antes. O jogo das cinco-marias já existia na época dos faraós; eles brincavam com pepitas de ouro. É a brincadeira de que mais gosto, mas meus alunos se chateiam comigo porque sempre ganho deles. Também pode ser feita com pedra e castanha de caju.

Quando é que a gente deixa de ser criança?

Quando quer. Eu não quero. Muitas crianças se espantam de ver que eu ando de tênis, como elas, e sento-me no chão. Parece que existe um testamento que diz que com 30, 40 ou 50 anos não podemos mais fazer determinadas coisas. Com 60, então, é caixão e vela. Se algum dia eu tiver que usar bengala, que seja uma sombrinha de frevo.

E se, como Benjamin Button, nascêssemos velhos e morrêssemos bebês?

Teria suas vantagens. O fim da vida seria muito mais lúdico. Deixaríamos de associar a velhice à decrepitude e poderíamos desmistificar a morte. Se posso morrer alegre, feliz e brincando, de preferência, por que não?

O que você quer ser quando crescer?

Criança. Quero continuar brincando muito, e sempre. Sou movida a isso e à música, que eu amo de paixão.

Sua exposição reúne brinquedos feitos à mão, como bonecas de pano, panelas de barro, bolas de meia… Em um mundo tão tecnológico, que apelo eles têm hoje?

Sou professora e trabalho com crianças de 6 a 11 anos. Sempre carrego alguns desses brinquedos na minha sacola, para conhecerem. O encantamento é o mesmo. Levo corda de sisal para pularem, e elas brigam comigo quando descobrem que uma turma pulou e a delas não. É só dar oportunidade. A criança precisa saber que isso existe. Acho que faltam disposição e boa vontade da família e da escola para brincar com esses objetos.

Você coleciona brinquedos?

Sim, há anos. Eles são uma vertente da minha paixão pela arte popular. Comecei a comprá-los em feiras do interior do Nordeste, porque me fascinavam e me remetiam à infância.

As crianças de hoje brincam menos?

Não sei. Pergunto a meus alunos de que brincaram no fim de semana, e eles me dizem que foram ao shopping. Aí pulamos corda, para mostrar o que é brincar de verdade. Brincadeira é tato. O mais importante é o vínculo afetivo que se cria, além das descobertas que o brincar propicia.

Você tem filhos? Como foi a infância deles?

Fui bem radical. Eles não tiveram televisão até os 8 ou 10 anos. Achava que eles iam ficar o dia todo grudados nela e não brincariam. Quando a TV chegou à minha cidade, não tinha como não ir à casa do vizinho para assistir. Mas lembro que chuviscava mais do que qualquer coisa… Com meus filho, eu fazia teatro e lia muito. Depois percebi que chegavam do colégio e falavam dos programas que os amigos viam, e era um mundo que eles não conheciam.

Aí você cedeu?

Meu pai foi quem deu uma televisão pequenininha para eles.

Internet, games, playstation…. nem pensar?

Eles acompanharam. A geração deles já nasceu conectada. Eu tenho resistência, mas sou ligada. Tenho computador.