Cotidiano

Rosiska Darcy reúne 15 anos de crônicas em livro

RIO ? O amor é como uma ave inquieta e livre: ninguém nunca sabe onde vai pousar. A imagem dá título ao novo livro da escritora e colunista do GLOBO Rosiska Darcy de Oliveira, ?Pássaro louco? (Rocco), uma reunião de crônicas publicadas nos últimos 15 anos. Embora a divida em diversos eixos temáticos ? infância, carnaval, religião, família, Brasil, política e atualidades, entre outros ?, é mesmo no amor que a ocupante da cadeira 10 da Academia Brasileira de Letras encontra o fio condutor de toda a publicação, que será lançada amanhã.

? É o amor que ilumina, em uma vida, os momentos mais fulgurantes. É uma incandescência ? justifica, em entrevista por e-mail. ? Esse pássaro louco desafia moral e costumes e pousa onde menos se espera. O amor é uma presença constante que atravessa todo o livro.

?Pássaro louco? reflete os últimos 15 anos da trajetória de cronista de Rosiska. Não foi, porém, o gosto pessoal que norteou a seleção. Os textos escolhidos não são necessariamente os seus preferidos, mas sim os que correspondem a algumas de suas mais caras obsessões. De certa forma, apresentam uma síntese do pensamento da autora e da sua própria relação com a crônica.

interlocutor mudo e família secreta

O livro começa com reflexões sobre a sua meninice, mas ?não qualquer recordação de infância, e sim as que me construíram?, ressalta. Do olhar para o passado emerge a descoberta do mundo, a travessia de ?tudo que ainda é misterioso?.

? A infância não tem cura. Você disfarça, faz de conta que passou, mas ela volta ? observa.

Como todo bom cronista, Rosiska vai pulando de um tema a outro. Uma hora, expõe seus ?encontros clandestinos com Deus?, interlocutor mudo, segundo ela; outra, percorre sua ?família secreta?, ou melhor: os personagens literários que coabitam sua existência, da Emília de Monteiro Lobato à G.H. de Clarice Lispector.

? Lido com a vida, que é plurifacetada, onde existem a infância e o amor, mas também um mundo que nos desafia e provoca, deixando às vezes o sentimento de tentar entender uma tsunami no momento mesmo em que ela nos engolfa ? diz ela. ?Tenho os olhos permanentemente abertos para a vida, a vida como se passa fora e dentro de mim. Minha geração viveu um privilégio extraordinário, o de testemunhar e ser protagonista de uma mudança de era. Me esforço para estar à altura dessa chance única e da atenção que meus leitores me concedem.

No registro impressionista do Rio e do Brasil, a autora encontra outro tema importante em sua formação: o carnaval. A sua festa, porém, não é a da luxúria. Rosiska vê a folia como um evento virtuoso, ?um repositório de sonhos?.

? Ninguém ouve o silêncio do carnaval nem reconhece seus rituais ancestrais,que trocam de fantasia em cada cultura ? observa. ? Sempre fui uma grande carnavalesca e sei, como Vinicius, que tristeza não tem fim.

ciência sem alma

Há espaço, também, para observações sobre o estado atual das coisas. No segmento ?Inventário das perdas?, ela revê os principais eventos da política internacional do século XXI, do ataque ao World Trade Center à crise dos refugiados. Já em ?Pandora à solta?, ela acompanha a evolução do mundo tecnológico e o efeito que ele teve nas nossas vidas. Na crônica ?De Hipócrates à hipocrisia?, sobra até para a medicina contemporânea, que nos dias de hoje teria abandonado seus ideais para se tornar um produto qualquer.

? A ciência, sobretudo as biociências e a cibernética, estão mudando o mundo muito mais do que as ideologias ? lamenta. ? Colocam, é claro, questões éticas da maior gravidade, mas são fascinantes e promissoras. Não se nasce, ama, envelhece e morre como antes. Os progressos da ciência introduzem a escolha onde antes mandava o destino.