Cotidiano

Romance entre adolescente e 'quarentona' fecha a 3ª noite da Première Brasil

RIO – Dois diretores estreantes em longa-metragem, com o desafio de solidificar histórias de tons complexos, foram os astros da terceira noite de competição da Première Brasil, do Festival do Rio. As ficções “Fala comigo”, de Felipe Sholl, e “Comeback”, de Erico Rassi, foram exibidas neste domingo no Roxy, para um sala lotada.

“Fala comigo” é um desses filmes cuja sinopse pode tanto atrair quanto afastar espectadores desavisados. A versão curta: Diogo, um adolescente de 17 anos (Tom Karabachian), tem o fetiche de ligar para os pacientes da mãe (Denise Fraga), que é psicóloga, e se masturbar enquanto escuta a voz do outro lado. Uma dessas pessoas é Angela (Karine Teles), uma quarentona que foi largada pelo marido e agora vive em depressão, com tendências suicidas.

A situação absurda indica que o filme seguirá por um caminho cômico, mas a rotina vira de cabeça para baixo quando, durante uma das ligações, Angela dá a entender que vai se matar, forçando Diogo a invadir a casa dela e salvá-la antes de uma overdose. Os dois se conhecem melhor e acabam se apaixonando. Eventualmente, a mãe, que passa por uma crise no casamento, descobre quem é a parceira do filho, empurrando a narrativa em direções mais dramáticas.

Sholl, que também escreveu o filme, tem em mãos um trio de personagens que conduz a história por mais de um gênero, flertando com a comédia romântica e o drama, mas o cineasta demonstra domínio e segurança sobre a complicada paleta tonal. A diferença de idade entre os dois protagonistas apaixonados é explorada em favor do alívio cômico, como na cena em que eles convidam os amigos de escola de Diogo para um jantar. Mas o diretor também trata a dinâmica entre eles (e, principalmente, as figuras femininas) com respeito e empatia.

– É muito emocionante apresentar o filme aqui – disse Sholl, premiado com o troféu Teddy, no Festival de Berlim, pelo curta “Tá” (2007). – Essa é a primeira exibição do filme no mundo, e eu já trabalhei no Festival do Rio. Aqui foi onde me entendi como cinéfilo, onde aprendi a fazer filmes. Estamos vivendo uma época difícil para a democracia, e fazer cinema também é resistência. O filme, de alguma maneira, é subversivo, e espero que ele ajude a tornar o Brasil um pouco menos conservador.

Antes, foi projetada a ficção “Comeback”, de Erico Rassi, longa que também apresenta uma complexa mistura de gêneros. A trama gira em torno de Amador (Nelson Xavier), um ex-matador de aluguel que nos dias atuais tem uma ocupação igualmente ilegal, mas, digamos, menos fatal: ele explora caça-niqueis espalhados por botecos de uma cidade no interior de Goiás. Nostálgico, ele guarda um álbum com recortes de jornais antigos que noticiaram os seus feitos de “glória”, entre eles uma famosa chacina cometida num bar da região, na época bastante repercutida na mídia local. Ele folheia o livro com o mesmo carinho e ternura que um mãe observaria fotos antigas de seus filhos.

Pois bem, Angelo quer dar um pouco de emoção à sua vida e decide voltar à “profissão” de pistoleiro – ou, no jargão do meio,fazer um comeback. O centro das atenções do longa é Nelson Xavier, que confere ao seu personagem trejeitos de um senhor manso. Assim, frases “banais” como “me vê três metralhadoras” eram o suficiente para arrancar gargalhadas da plateia.

Com influências dos westerns, “Comeback” vira um thriller sanguinário, mas que, no contexto, é recheado de ironias, além de funcionar como uma metáfora do tédio e das possibilidades da terceira idade. Antes da sessão, Rassi agradeceu ao ator por ter topado passar um mês no interior de Goiás para as filmagens. Nelson Xavier explicou por que topou fazer o filme:

– Fiz porque o roteiro era único, fascinante, A gente filmou com prazer e liberdade, coisas que são fundamentais no cinema – disse o ator de 75 anos.

Também foi exibido, neste domingo, o curta-metragem de ficção “Postergados”, de Carolina Markowicz. A competição da Première Brasil continua nesta segunda-feira, com sessões do documentário “A luta do século”, de Sérgio Machado, e do drama de ação “Sob pressão”, de Andrucha Waddington.