Esportes

Rival alemão é o maior candidato a estraga-prazeres de Isaquias no Rio

2016 931456233-201608150915372226_RTS.jpg_20160815.jpg

Desde o traumático 7 a 1 no Mineirão, é inevitável: qualquer confronto entre Brasil e Alemanha é cercado, no lado de cá do Atlântico, por uma expectativa quase neurótica de redenção. Na Olimpíada do Rio, justamente um alemão surge como principal candidato a estragar a festa do anfitrião Isaquias Queiroz, esperança brasileira na canoagem. Trata-se de Sebastian Brendel, medalhista de ouro em Londres-2012 e atual campeão mundial na categoria C1 1000m, cuja final acontece nesta terça-feira, pouco depois das 9h, na Lagoa Rodrigo de Freitas.

Sobram ingredientes para uma disputa bastante aguardada na Olimpíada, com direito a um tempero extra na receita: por motivos diversos, ambos parecem ainda não ter levado a rivalidade esportiva até o limite. O duelo definitivo é aguardado para as 9h08m desta terça-feira, quando Isaquias e Brendel estarão lado a lado, respectivamente nas raias 4 e 5, para disputarem a final da C1 1000m. Brendel fez o melhor tempo das provas classificatórias, ontem, com 3:58:044 minutos, um segundo mais rápido que o brasileiro. Ambos venceram suas baterias e avançaram diretamente à final.

Brendel está totalmente focado no bicampeonato olímpico nesta categoria ? embora tenha ganhado, de última hora, uma vaga também na C2 1000m, após o banimento de um barco da Romênia. Isaquias compete em outras duas provas ? C1 200m e C2 1000m ? mas tem como especialidade a prova solitária de 1km, em que o canoísta fica agachado sobre a embarcação e rema apenas de um lado. O retrospecto recente é amplamente favorável ao alemão: em seis finais de C1 1000m disputadas por ambos desde 2013, Brendel venceu Isaquias em todas.

ENCONTROS INTERROMPIDOS

Nos últimos tempos, porém, muitos encontros entre Brendel e Isaquias em finais da C1 1000m ou não terminaram, ou não aconteceram. No Mundial de 2014, por exemplo, o brasileiro tinha meio barco de vantagem para o alemão, mas se desequilibrou a menos de 100 metros da chegada e tombou na água. O título caiu no colo de Brendel, que foi campeão com a dúvida de não ter sido efetivamente mais rápido do que o rival. No dia seguinte, Isaquias seria bicampeão mundial no C1 500m, prova com metade do percurso, tendo Brendel como segundo colocado.

Uma cena parecida se repetiu neste ano, na etapa da Copa do Mundo em Duisburg, na Alemanha. Isaquias liderava a final do C1 1000m, mas simplesmente parou de remar nos metros finais e o título novamente ficou com Brendel. Na etapa de Duisburg de 2015, Isaquias fora o vencedor no embate com Brendel, mas novamente na C1 500m, que tem metade do percurso da prova decisiva desta terça. Além disso, Isaquias não foi a quatro das últimas seis etapas de Copas do Mundo.

? Meu foco é todo na C1 1000m. Não falo português, então me comunicar com Isaquias não é fácil. Só encontrei com ele na água. Mas eu respeito sua performance ? afirmou Brendel em entrevista por email ao GLOBO, antes de chegar ao Rio para a Olimpíada.

CURRÍCULO PESADO

A experiência do campeão olímpico contrasta com a aparente ansiedade de Isaquias em momentos decisivos. Em Moscou, quando o brasileiro caiu da canoa na final em que liderava, Brendel não só foi campeão como também anotou o recorde mundial da C1 1000m, com 3min44s578. Aos 28 anos, o alemão procura tirar a expectativa para a disputa com Isaquias, de 22. Cita o desempenho recente do moldavo Sergei Tarnovshi e do tcheco Martin Fuksa, ambos também finalistas neste terça, para colocá-los como outros grandes pretendentes ao pódio.

Brendel também tira a pressão de si mesmo ao afirmar que pode competir em alto nível até os 35, indicando que nem pensa nesta ser sua última chance de brilho em uma Olimpíada. Apesar da ascensão de Isaquias, o alemão aposta no currículo de mais de uma década competindo em provas internacionais.

? Eu trabalho muito duro há muitos anos ? resume Brendel, com objetividade.

2016 931456480-201608150925122232_RTS.jpg_20160815.jpg

Brendel, de fato, está há tanto tempo na estrada que o menino pródígio de 22 anos não foi sua primeira referência de sucesso na canoagem brasileira. O técnico de canoagem Pedro Sena, que treinou Isaquias entre 2009 e 2012, lembra de um encontro com o alemão após os Jogos de Londres-2012, quando este levara ouro na C1 1000m. À época, Brendel queria saber da situação de Nivalter Santos, que chegara às semifinais da prova em Pequim-2008 ? até então, era o melhor desempenho de um canoísta do Brasil em Olimpíadas.

? Quando acabaram as competições em Londres, eu estava no ônibus e sentei ao lado do Brendel. Ele me perguntou como estava o “de Jesus”, que é o último sobrenome do Nivalter. Eu falei para ele: acho melhor você se preocupar com o “dos Santos”, que é a forma como o Isaquias é conhecido lá fora (o sobrenome completo de Isaquias é ?Queiroz dos Santos?). O Brendel fez cara de confuso e me disse que não conhecia aquele garoto. Foi até engraçado ? recorda Sena.

Duisburg, em maio deste ano, foi o último grande evento de Isaquias antes de se retirar para treinamentos em Lagoa Santa (MG) com o restante da equipe olímpica de canoagem. O treinador espanhol Jesus Morlán blindou o fenômeno brasileiro antes dos Jogos. Não por acaso, Isaquias sequer competiu na C1 1000m no Mundial de 2015. Em vez disso, dedicou-se a conseguir vagas para o Brasil nas categorias C2 1000m, ao lado de Erlon de Souza, e C1 200m, sem enfrentar Brendel.

? Não remamos o C1 1000m porque não havia condições. Isaquias estava há algum tempo sem fazer uma prova potente nesta categoria ? explicou Morlán.

LAGOA: INGREDIENTE À PARTE

Na canoagem, devido às variações de salinidade, temperatura e até de sedimentos na água, é crucial uma adaptação perfeita ao local de competição. No caso da disputa entre Isaquias e Brendel pelo ouro, as características da Lagoa Rodrigo de Freitas, palco da modalidade na Rio-2016, são estratégicas.

Uma barreira contra ondulações colocada no lado esquerdo da raia de competição é um trunfo para o brasileiro, já que diminui a incidência de marolas justamente no seu lado mais vulnerável de Isaquias, que rema pelo lado direito. Brendel, como rema do lado oposto, sente mais a ondulação nascida à sua direita. Isaquias mostrou, após a bateria classificatória do C1 1000m, ontem, que está atento à rotina de ventos da Lagoa:

? Amanhã (terça) o vento deve entrar pela direita, o que pode me ajudar ? afirmou Isaquias, antes de contemporizar: ? Mas espero que amanhã seja um dia sem vento, para não favorecer ninguém. Vamos fazer uma bela final.

Brendel é discreto sobre as condições do campo de competição:

? Pela minha experiência, o vento nas primeiras horas da manhã não é muito forte. Tenho algumas preocupações, mas prefiro ver as coisas com meus próprios olhos.