Cotidiano

Retrovisor: lambretistas, mas trabalhadores

RIO – A onda começou por volta de 1955, quando a Lambretta do Brasil S.A. inaugurou sua linha de montagem. De uma hora para outra, as ruas do Rio foram tomadas pelo pipocar dessas motonetas projetadas pela Innocenti, na Itália. Surgia um meio transporte individual baratinho nos tempos em carro 0km era coisa de rico.

Mas não tardou para que os lambretistas fossem mal-vistos por “gente de família”. A eles eram creditados atentados sexuais, curras, algazarras em bares, furtos e mortes, sem falar no barulho dos escapes abertos… Subitamente transformada em símbolo da juventude transviada, a motoneta virou alvo de operações planejadas pelo chefe de Polícia, o general Amaury Kruel.

Dadas as arbitrariedades policiais e a incompreensão geral, fãs da vida em duas rodas vieram queixar-se na redação do GLOBO. Assim, no dia 6 de agosto de 1958, o jornal publicou o artigo “Lambretistas também podem ser rapazes trabalhadores”.

— Nem todo lambretista que usa blusão de couro e calças “blue-jean” é da “juventude transviada” — disse à reportagem um dos membros do grupo, formado em sua maioria por rapazes de Copacabana.

— Como não temos locais reservados para estacionamento, somos obrigados a levar nossas motonetas para as calçadas. Se as deixarmos ao longo do meio-fio elas sofrerão avarias provocadas por veículos maiores — reclamou outro.

Mas e quanto ao blusão de couro e à calça de zuarte?

— Esse vestuário é a melhor proteção contra a poeira, a fumaça e as quedas — justificou um terceiro.

Wilson José Rocha, membro do grupo e sargento do Exército, contou que fora detido numa blitz e pernoitara no xadrez simplesmente por ser lambretista:

— No outro dia fui tachado de “sargento transviado” por um vespertino.

As reclamações não surtiram grande efeito. Tanto que, em 1959, Emilinha Borba emplacou a marchinha “Menina direitinha”, que dizia: “Não anda em garupa de lambreta/ sem ordem da mamãe ela não sai/ ai, ai, ai, menina/ cuidado pra você não dar desgosto pro papai…”