Cotidiano

Residência no Hospital da Mulher gera exposição no Hélio Oiticica

RIO ? Durante quatro dias consecutivos, a artista Roberta Barros percorreu as salas de espera do Hospital da Mulher Heloneida Studart, em São João de Meriti, tricotando um longo cordão umbilical. Comprimido dia a dia sob uma veste que também tricotou para si, simulava uma barriga de gravidez, que desapareceria no quinto dia, quando ela desfez toda a trama de fios de lã sobre o chão. O registro em vídeo de ?Tomar para si? ? trabalho que fala do controle de decisões sobre o próprio corpo e a implementação de políticas públicas de planejamento familiar e aborto ? é uma das obras na exposição ?Nos limites do corpo?, inaugurada no sábado, dia 5, no Centro Municipal de Artes Hélio Oiticica, com curadoria de Tania Rivera e Luiz Sérgio de Oliveira.

? Tive uma gravidez de risco, sofri violência obstétrica ? conta Roberta. ? A camada mais óbvia do meu trabalho é a da espera, mas há também o trabalho manual, considerado uma arte menor, que questiona segmentação de gênero, e ainda a decisão sobre gestar ou não uma vida.

Além de Roberta, integram a mostra Cristina Salgado, Gabriela Mureb e Hélio Carvalho. Os quatro, ao longo deste ano, participaram de uma residência artística no hospital a convite de sua diretora clínica, Ana Teresa Derraik, projeto possível graças a um edital da secretaria de Cultura da prefeitura do Rio.

? A Ana Teresa tem interesse em arte, e entendeu que isso iria contribuir para o programa de humanização do parto que estava implementando na unidade ? conta Tania.

A unidade estadual é uma referência no atendimento à mulher, especializado em situações de risco. Atende mensalmente de 8.500 a 9 mil pacientes, entre emergência, ambulatório e procedimentos cirúrgicos. Os artistas tiveram livre acesso a todas as suas áreas, durante meses, e cada um encontrou o seu próprio objeto de investigação.

Cristina Salgado se interessou pelo programa do hospital que oferece a jovens encontros sobre sexualidade responsável e contracepção. O projeto foi criado depois que a direção constatou que das cerca de mil garotas que estudam num Ciep ao lado, 50 a 60 delas, de 15 e 16 anos, ficam grávidas anualmente, sendo atendidas ali. A artista procurou então a escola, convidando-as para uma série de conversas sobre machismo, misoginia e feminismo, e em seguida a colaborar numa versão da escultura ?A grande nua?, montada originalmente nas Cavalariças do Parque Lage, em 2005.

? Era sempre uma grande aflição saber quantas viriam ? conta Cristina. ? Mas, no final, duas delas, Larissa e Brenda, ajudaram a montar a obra. E a Brenda ainda faz uma boa parte do registro em vídeo com a câmera.

É este registro que figura na mostra, ao lado de outros três trabalhos da artista, feitos a partir da observação de cenas do hospital. Um deles é ?Menina de 8 anos e Mater dolorosa?, em que ela utiliza refletores para projetar imagens de uma menina que aparenta estar feliz e outra da ?Mater dolorosa? (1670), do espanhol Pedro Roldan. Há ainda o pequeno desenho ?A origem do mundo (ou Veronica ou Anunciação)?, alusão à tela pintada em 1866 por Gustave Courbet, do acervo do Museu d?Orsay, em Paris. Foi feito na única vez em que Cristina entrou numa sala de cirurgia, suficiente para saber que não seria aquele o universo a ser tratado por ela. Já Gabriela Mureb se sentiu fascinada por ele, e o elegeu como objeto de suas investigações.

? Fiquei imaginando a pequena parte do corpo visível numa cirurgia cesariana como o centro nervoso do hospital ? conta Gabriela. ? É um momento com agudeza. Tem violência naquelas mãos que esgarçam a pele para retirar o bebê, mas não é explícita; há uma contenção, um gesto concentrado.

UM LEVE TOQUE DE HUMOR

A partir da rotina dos centros cirúrgicos, ela produziu dois vídeos: ?Sem título (buraco)? focaliza, em looping, o pequeno movimento das mãos que puxam as bordas da pele durante uma cesariana. O outro é um filete de sangue escorrendo sobre um lençol.

Hélio Carvalho construiu a única obra na qual há um certo humor. Depois de constatar a forte hierarquização do ambiente hospitalar, em que cada uniforme indica uma função, criou um uniforme que mistura um pouco de cada um. No setor de manutenção, construiu um carrinho, adaptado para virar uma mesa com material de artes. Circulou com ela por semanas, parando em setores diferentes e oferecendo às pessoas a oportunidade de desenhar. ?Deambulatório? está presente na mostra com fotos, vídeos que registram a ação e ainda o próprio carrinho.

? Um dos riscos de um projeto desses é fazer uma residência superficial, que acabaria gerando uma exposição, consequentemente, superficial ? diz Tania. ? Mas todos eles tiveram uma residência que julgaram rica o suficiente para produzir suas obras. Vão deixar ali uma centelha de presença. É uma aposta na possibilidade de a arte provocar um germe de transformação.

?NOS LIMITES DO CORPO?

Onde: Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica ? Rua Luiz de Camões 68, Centro (2242-1012).

Quando: Seg, qua. e sex., das 12h às 20h; ter., qui. e sáb, das 10h às 18h. Até 18/2/2017.

Quanto: Grátis.

Classificação: Livre.