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Renato Augusto, um jogador com múltiplos papéis

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Renato Augusto tinha 17 anos quando recebeu a primeira chance como titular do Flamengo. Surgia ali um jogador preparado para ser o tradicional meia de ligação, como se dizia, o chamado ?camisa 10″. Na seleção, no jogo com o Equador, foi visto na lateral esquerda enquanto Marcelo se contorcia após uma contusão no segundo tempo. No futebol global de hoje, em que jogadores rodam o mundo, as experiências e informações estão disponíveis. Mas o especial interesse pela parte tática do jogo fez com que a trajetória de Renato Augusto fizesse de cada uma de suas passagens uma etapa da construção do meio-campista total, o típico jogador polivalente.

TABELA: Jogos e classificação das eliminatórias na América do Sul

Eliminatórias 02-09-2016

A primeira guinada veio na transição entre o Flamengo e o futebol alemão. Em 2008, três anos após estrear no time profissional, foi vendido pelo rubro-negro ao Bayer Leverkusen numa transação de ? 10 milhões (cerca de R$ 36 milhões em valores atuais). Na experiência europeia, começou a acrescentar diversidade ao seu repertório tático. A responsabilidade da marcação foi ampliada e começou a ser parte de suas atribuições no gramado.

? No Flamengo, eu era o meia clássico. Mas também aprendi a jogar na frente, em alguns jogos atuei de 9, outros de 10. Quando subi, percebi que aquele meia clássico estava acabando no futebol. Procurei me adaptar, estar aberto a outras funções. Na Alemanha, passei a jogar pelas pontas. Em alguns jogos, em especial quando o time estava perdendo, vinha ser volante para iniciar as jogadas ? recorda.

O jogo pelos lados exigia um deslocamento maior pelo campo e compromisso defensivo. A função de volante viria a ser mais desenvolvida no Corinthians, com Mano Menezes e Tite. A trajetória de Renato Augusto, hoje na China, colhe frutos da multiplicidade de lugares em que jogou. Mas, de certa forma, desmente a tese de que apenas no exterior é possível aprender.

? No Corinthians fui fazer este papel mais recuado, comecei a ter que entender melhor o jogo. Na Alemanha aprendi muito, mas com Tite e Mano Menezes também evoluí bastante ? afirma Renato. ? Com Tite acho que atingi meu ápice técnico, tático e físico, o que inclui o trabalho do Fábio (Mahseredjian, hoje preparador da seleção) e do Bruno (Mazziotti, fisioterapeuta).

O preparador e o fisioterapeuta tiveram, junto com a paciência de Tite, papel fundamental ao cuidar de um jogador que tentava se livrar de uma sequência de lesões. Um tormento que parece ter sido ultrapassado. Na seleção, reencontrou o trio. Quanto ao treinador, entende ter recebido dele um legado para a carreira: aperfeiçoar o gosto pela discussão tática.

Ainda gosto de fazer a função de meia ofensivo. Mas depende do jogo

? Tite me dava muita abertura para conversar sobre tática. Dentro e fora de campo, são duas visões muito diferentes. Jogando, você vê coisas que fora de campo o treinador não vê. E ele, de fora, percebe coisas que o jogador não consegue ver. E Tite me dava liberdade para me expressar. Isso me fez gostar ainda mais da parte tática.

DO PROTAGONISMO À UTILIDADE

Ainda uma jovem revelação no Flamengo, Renato Augusto se cansava de responder se preferia atuar como meia ofensivo ou como atacante. Com o tempo, a opção de atuar à frente deixou de ser cogitada. Ele se transformou num meia capaz de ocupar qualquer posição do setor. Curiosamente, algo que passava menos por sua cabeça na juventude. Num clube que cultuava o número 10, Renato Augusto já admitiu que, ao subir aos profissionais, achava que tinha que jogar como meia-atacante, aproximando-se do gol. A leitura de jogo lhe abriu outras perspectivas.

? Ainda gosto de fazer a função de meia ofensivo. Mas depende do jogo. Em alguns você pode avançar, em outros tem que segurar ? diz Renato. ? Na seleção, conseguimos formar um tripé que se encaixou bem contra o Equador, comigo, Paulinho e Casemiro. Jogadores que marcam e saem bem.

Chamou atenção, contra os equatorianos, a forma rápida como Renato Augusto se dirigiu à lateral esquerda para ocupar o setor quando Marcelo se machucou. Mesmo se não houvesse Tite à beira do campo para comandar, o meia parece passar boa parte do tempo em campo dividido entre o trato com a bola e a observação do jogo.

Curioso que o jogador criado na base do Flamengo para ser um camisa 10, para ser um protagonista, tenha evoluído na direção de, por vezes, ocupar espaços mais discretos para que outros consigam jogar com desenvoltura.

? Principalmente pelo lado esquerdo que a gente tem, com Neymar e Marcelo, é claro que eu preciso, de vez em quando, cobrir o Marcelo. Ele é um lateral diferenciado, um craque. Em alguns momentos preciso liberá-lo mais e fazer a cobertura. Isto é uma questão de leitura de jogo, de compreender as situações ? conta.

A trajetória de Renato Augusto na seleção está longe de ser a do jovem que desponta, impressiona, ganha suas primeiras convocações e se torna, em definitivo, um ?jogador de seleção?. Em 2011, com Mano Menezes, teve convocações, mas as lesões impediram uma sequência, assim como a afirmação de outros jogadores no setor. Distante da lista de Felipão para a Copa de 2014, precisou de nova ascensão no Corinthians, na campanha do título brasileiro de 2015, para ser novamente chamado, desta vez por Dunga. Tinha 27 anos quando, em novembro do ano passado, foi titular contra o Peru, pelas eliminatórias, dias após entrar no segundo tempo do jogo com a Argentina.

ESTUDO E INVESTIMENTO NA CARREIRA

Convocado como um dos jogadores acima de 23 anos para a Olimpíada do Rio, viu o torneio se transformar em afirmação definitiva de seu papel na seleção. Além de ser outro passo de sua evolução tática.

? Era uma função que nunca tinha feito (um volante num time no 4-2-4). E fiquei feliz com o rendimento ? diz.

Renato ganhou o ouro com uma atuação impressionante na final, defendendo e atacando pelo meio-campo, numa ida e volta que lhe exigiu um fôlego capaz de contradizer a tese de que, jogadores transferidos para a China, perderiam competitividade. Mudou de patamar. Quando Tite anunciou seu nome na lista para as eliminatórias, jogos de estreia do treinador, ouvir Renato Augusto como um convocado deixou de soar surpreendente.

? Ganhar espaço é jogo a jogo. Na seleção não tem cadeira cativa. A cada jogo você precisa provar que merece estar ali ? disse Renato.

Ele elogia a forma como Tite se apresentou ao grupo da seleção.

? Foi muito positivo. Tentou ser o mais claro possível sobre a forma como queria jogar e os jogadores compraram a ideia. Ficou uma coisa muito clara e isso agradou a todos. Ajudou demais no entendimento tático ? conta.

A afirmação de Renato Augusto na seleção é, também, o retorno obtido por quem investiu na própria carreira. Diante dos prognósticos de que se ?esconderia? da seleção, usou parte do ótimo salário pago pelos chineses para contratar um preparador pessoal. Treina mais do que os demais e tem conseguido viajar antes ao Brasil a cada convocação. Entre os Jogos Olímpicos e as eliminatórias, treinou no CT do Corinthians e sabe que precisa provar sempre que não perdeu o vigor. Para Renato, o foco está na parte física. Assim diz sua forma de entender o futebol atual.

? O jogo mudou, está muito físico, muito pensado. Procurei me especializar na parte tática e me preocupar com minha parte física. Estando bem fisicamente, é quase certo estar bem tecnicamente. Muita gente não entende, mas a gente vai para a China competir. Não estamos deixando de trabalhar.