Cotidiano

Renata Bichir, socióloga: 'Política pública tem que ter padrão'

201608022325512307.jpg “Sou formada em Ciências Sociais pela USP, onde também fiz mestrado em Ciência Política. Fiz doutorado no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj. Sou pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole, onde estudo pobreza e desigualdade pela ótica das políticas públicas”

Conte algo que não sei.

Na assistência social há um problema de associação direta entre filantropia e o mundo das organizações. Há uma ideia de que o Estado tem que prover diretamente as políticas, mas os municípios não têm capacidade fiscal e orçamentária para isso. Há uma série de amarras, e essa não é considerada uma política prioritária. O grande ponto é como pensamos a regulação estatal dessas organizações.

Como esses organizações privadas podem ajudar na prática?

No caso da assistência social, elas estão no campo há muito mais tempo. Nem o Estado nem elas são monólitos. Há diversidade nos tipos de organizações: algumas ligadas a movimentos sociais, com capilaridade no território. Outras ligadas a igrejas ou instituições filantrópicas.

A questão é aproveitar essas experiências?

Exatamente, elas conseguem chegar a públicos específicos e prover serviços que o Estado sozinho não vai conseguir. Faz muito mais sentido pensar em regulação. Boa parte da estruturação do Sistema Único de Assistência Social tem a ver com isso.

É possível ter uma política padronizada?

A briga com as organizações tem a ver com fragmentação e falta de continuidade. Política pública tem que ter padrão. Não é como se cada organização fizesse o que quer, mas como estabelecemos parcerias.

Nessa lógica, onde se insere o Bolsa Família?

As pessoas tendem a dissociar a discussão do Bolsa Família com a de assistência social. O Bolsa Família funciona um pouco como o rabo movendo o cachorro. A gente acha que o programa é o todo, mas ele faz parte de uma iniciativa maior de políticas sociais. Não basta analisar programas isolados. Se pobreza e desigualdade são problemas complexos, não vamos resolvê-los com um único programa. O Bolsa Família não faz mágica.

Mas ajuda nessas questões?

Um dos meus achados no estudo é que de fato ele serve como a plataforma de integração de políticas. Cria mecanismos institucionais, seja por meio da transferência de renda ou do controle das condicionalidades de saúde e educação. Passam a existir nos municípios estruturas de diálogo entre os diferentes setores. Mas não quer dizer que sejam perfeitas ou que funcionem igualmente em todos os lugares.

O que afeta o sucesso do programa em cada cidade?

Os desafios são distintos. Uma coisa é pensar o Bolsa Família no Vale do Jequitinhonha. Há um impacto importantíssimo na economia local. Por outro lado, os desafios no cadastramento das famílias são menores. É totalmente diferente de uma metrópole.

Quais são as dificuldades nas metrópoles?

É preciso lidar com dinâmicas de violência urbana, de localização dessas pessoas mais pobres. O que o governo federal consegue garantir são instrumentos mínimos: como o cadastro deve funcionar e como esse gestor consegue chegar nas famílias. Para pensar política social, temos, cada vez mais, que pensar em perfis de municípios.

O debate político sobre o Bolsa Família melhorou na última década?

Ainda há uma visão moral. Uma agenda progressista é pensar as articulações do programa com mais educação e com saúde na escola. Mas isso não aparece no debate público.