Vivian Weiand
Há pouco tempo vi um vídeo gravado com depoimentos de pessoas com bastante idade. A finalidade era deixar um recado às próximas gerações, uma espécie de herança dos mais velhos para a sociedade, conselhos de quem viveu sete, oito e até nove décadas. Em linhas gerais, os conselhos têm a ver com a fonte de nossas preocupações, medos e angústias que por anos consomem nossas energias. Com a diferença de 30, 40 anos entre aqueles que assistem ao vídeo e aqueles que aparecem nele, os temores parecem não ter se aposentado da cabeça dos mais novos. E os mais velhos são enfáticos: não vale a pena perder tempo com eles.
Uma senhora, mãe de três filhos, se arrependeu de não ter tido pelo menos mais três. Um senhor acha bobagem trabalhar exaustivamente com vistas à acumulação de capital; na velhice, disse, você precisa de muito pouco para viver. Outro enfatizou ser perda de tempo se preocupar tanto com o futuro dos filhos, noites mal dormidas que a vida mostrou terem sido totalmente desnecessárias. Houve ainda quem se arrependeu por não ter ousado mais, arriscado mais, largado o emprego para erguer seu próprio negócio e mandar seu patrão para o quintos dos infernos.
O vídeo é belo; os depoimentos verdadeiros, mas mesmo assim minha mente manteve-se refratária às lições de vida que se mostravam tão sinceras e profundas. Não que esteja reduzindo a importância daquilo que uma pessoa mais velha tem para dizer, mas fica fácil aconselhar alguém a ousar quando a vida de quem fala já está estabilizada. Com filhos criados e atuantes no mercado de trabalho, pode-se conjecturar que mais herdeiros teriam tido o sucesso como destino. Sugerir para um pai não se preocupar tanto com seus filhos e gastar mais para viver com qualidade também é válido quando você já é avô de netos adultos. Pode-se aconselhar a deixar menos tempo os filhos de castigo, exigir menos na escola, não ficar empurrando comida goela abaixo, tudo fica inútil e banalizado quando seu caçula está com mais de 40 anos.
Quando a preocupação se torna passado percebemos o quanto fomos escravos de nossos receios. O “se eu morrer”, “se eu perder o emprego”, “se eu tiver de ser internado”, são hipóteses não tão distantes assim e ditam regras em nossa vida quando se tem crianças de 5, 7, 10 anos para criar. Afinal, acumular capital também é uma forma de cuidar de sua família, prevenir de aborrecimentos para aqueles que mais amamos e até para nós mesmos.
O cenário em que estamos inseridos mudou muito se comparado à galera dos 80 anos. Leis trabalhistas estão passando por transformações, países vivem à sombra da bomba-relógio que é a previdência social e o aumento da longevidade já são três bons argumentos para que se ouse menos e que se mantenha uma poupança mais gordinha para os recessos da economia que, quando instaladas, não têm previsão de nos deixar.
Conselho é bom, e quando vem dos mais velhos sempre deve ser ouvido, mas devemos, ainda assim, adaptar à realidade em que vivemos. É impossível para os pais de hoje não se preocuparem com o futuro dos seus filhos, crianças nascidas em um país de tantos tropeços. Se ousarmos mais e usarmos nosso dinheiro para obter hoje qualidade de vida, podemos, no primeiro percalço, dar adeus ao bom sono, o que também pode contribuir para um infarto precoce.
Mesmo assim, do vídeo se tiram bons conselhos. Trabalhar aos finais de semana, ficar de birra uma semana com o filho, dormir de costas para o marido porque a mãe dele é uma besta são coisas que não podem roubar nosso precioso tempo. Quando pessoas dependem de nós, ousar é quase um sacrilégio.
Está certo, não é com artrose que se escala o Aconcágua nem com falência renal que se cruza o Deserto do Atacama. Certas coisas que não fizemos no passado hoje lamentamos ter deixado o momento passar. Aproveitemos a vida, então, mas ainda assim com regras e disciplinamento. Nossos filhos agradecem, e talvez nós mesmos quando chegarmos aos 90 anos.
E depois de ouvir tanta experiência de vida, cedi à pressão e decidi seguir o conselho de uma vovó. Um sonho deixado para trás este mês eu realizo. O par de patins já comprei, e confesso: a emoção foi indescritível (valeu a dica, vovó!). Se eu me arrebentar na pista, aviso. Meu plano de saúde me permite abusar um pouco desse velho esqueleto sem afetar o orçamento da família.
A autora é Jornalista
