Cotidiano

Reflexão: As mães e a Baleia Azul

Há alguns anos, em uma conversa informal entre amigos, o Comandante Péricles de Matos fez um comentário que vira e mexe prejudica meu sono: a internet levou o crime para dentro de casa.

Como assim crime dentro de casa? A informação foi um soco no estômago, aquilo simplesmente não combinava. Internet tinha a ver com entretenimento, diversão, aprendizado e facilidades. Quem precisava esperar um trabalho acadêmico vir de outro país por meio de fax sabe o que estou dizendo. Internet veio para nos salvar, para simplificar a vida, comprar sem precisar sair de casa, isso sim uma exposição ao risco, ao assalto, ao sequestro, enfim, ao crime. E onde é que a internet entra nessa coisa de crime dentro de casa? E logo na minha casa, quarto andar, porteiro, cerca elétrica. Considerava meus filhos mais seguros trancados entre as grades do condomínio. Embora balas perdidas possam estar em qualquer lugar, sempre procurei resguardar meus filhos de pessoas estranhas, da sombra da  noite e dos locais de muito público. E agora essa: meu inocente tablet pode matar meus filhos?

O Comandante narrou alguns casos, crianças recém-alfabetizadas e sua incontestável inocência criando verdadeiras arapucas para elas mesmas. Fotos publicadas, amigos aceitos, troca de palavras e informações que não passam despercebidas pelos pedófilos e marginais de plantão, gente que já descobriu uma forma anônima de penetrar nas defesas deficientes de nossos filhos e deles extrair ilícitas vantagens.

Pior que saber serem os fatos verdadeiros é admitir que o comandante terá, e ainda por longa data, toda a  razão.

A tal da baleia azul é outra prática que deixou as mães de crianças maiores de cabelos em pé. Não bastassem todas as delicadas questões que envolvem o gerenciamento do lar e da família, elas ainda  têm de estar atentas às manobras obscuras da internet, caminhos que servem de refúgios secretos para seus filhos, jovens que podem estar atravessando uma fase complexa e perturbada, terreno fértil para quem aprendeu a manipular as fragilidades humanas.

Pronto. Debaixo do meu nariz e sem sair de casa meus filhos prosseguem expostos ao crime. Não basta conversar, não basta pagar as contas, não basta dizer "eu te amo, filhinho, pode contar tudo para a mamãe”. É necessário explicar a razão e deixá-los longe da internet até que uma idade não digo mais segura, mas menos favorável à caça dos malucos seja pelos pequenos atingida. Mesmo que isso represente gritaria e birra por um mês ou dois é o que as mães da escola de meus filhos estão combinando fazer, e de uma forma coletiva: uma mãe se compromete a manter a rede social e internet bem longe de seu filho, o que evita a cobiça dos colegas e a famosa frase “a mãe do Fulano deixou!”. 

É, Péricles, viver está cada dia mais complicado, mas a internet, a mesma que leva o crime para nossos lares, felizmente ainda mantém aquele lado facilitador, um dos nobres propósitos de sua criação. É por meio dela que pulverizamos nossos medos e pedimos para pais e mães de todos os cantos se armarem na mesma estratégia, uma corrente de proteção à infância e à adolescência de nossos filhos, aqueles para os quais nossa vida, esforços, amor e investimentos estão voltados. E fechar o acesso à internet, como você mesmo sugeriu, tem lá suas vantagens. Enquanto ainda nos obedecem e pedem por nossa companhia, o jeito é colocar papéis e lápis de cor no chão e pintar o sete com nossos filhos, montar quebra-cabeças e brincar de esconde-esconde, estar ao lado deles estreitando laços, esta sim uma forte barreira para manter o crime cibernético longe de nossa casa. 

 

Vivian Weiand

A autora é jornalista