Cotidiano

Reese Witherspoon e Nicole Kidman estrelam 'Big little lies'

biglittlelies.jpgLOS ANGELES ? A comparação, recorrente nas críticas publicadas na imprensa americana, é tão tentadora quanto injusta. ?Big little lies?, a minissérie produzida por Reese Witherspoon, 40 anos, e Nicole Kidman, 49, que estreia hoje, à 0h, na HBO, e gira em torno da história de cinco mulheres no período de um ano letivo de seus filhos, não é uma versão classe A de ?Desperate housewives?. TV 18.2

A adaptação de David E. Kelley (?Ally McBeal?), com direção do canadense Jean-Marc Vallée (?Clube de compras Dallas? e ?Livre?) para o best-seller de 2014 da australiana Liane Moriarty transfere a ação de Sydney para o norte da Califórnia, mas segue usando como cenário central uma escola primária. Em seus corredores, fofoca, violência doméstica, abuso sexual, discriminação social e um assassinato transformam para sempre a rotina de pais, crianças, mestres e funcionários. O maior trunfo da produção, que se distancia do novelão mais explícito, são as reações singulares de cada uma das personagens centrais ? vividas pelas mesmas Reese e Nicole, além de Laura Dern, 50, Shailene Woodley, 25, e Zoë Kravitz, 28 ? aos desafios da maternidade em tempos de pós-feminismo e individualismo exacerbado.

? Estava cansada de ser a única mulher nos sets dos filmes em que participava. Queria levar para a televisão uma peça de ficção que girasse em torno da relação de mulheres com seus filhos, maridos e amigas, mas pela ótica feminina. Li o livro em um único dia e tive a certeza de que ele era matéria-prima divertida, com um ?quem matou quem? no meio, mas que emociona e vai no íntimo de mulheres de todas as idades refletindo sobre o que significa ser mãe hoje ? diz Reese.

‘UMA FILME DE SEIS HORAS’

Em um elenco com tantos nomes mais facilmente associados a Hollywood do que à televisão, Reese é quem impressiona mais. Sua Madeline é a força-motriz da tragédia, que vai sendo revelada aos poucos nos sete episódios da série. Não se sabe, a princípio, quem morreu, e muito menos a identidade do assassino da história. Todos são, ao mesmo tempo, gente como a gente e suspeitos de crimes terríveis. Tal qual no livro de Moriarty, as vozes desordenadas de mães e pais da escola funcionam como um coro do teatro grego clássico, marcando o ritmo da ação e aumentando, com seus comentários avulsos sobre as protagonistas, a curiosidade do público: seria uma daquelas mulheres capaz de cometer assassinato?

? Eu li o livro e o roteiro e saí com a mesma sensação: conheço aquelas mulheres, sei quem elas são, me identifico com as dúvidas e receios delas. No caso da Celeste, há um fator extra: como lidar com a violência doméstica que não é escancarada, mas ainda assim danifica para sempre aquela mulher e aquele casamento ? afirma Nicole.

No ringue em que se transforma a escola, as aliadas de Madeline são duas: a bela, rica e triste Celeste de Nicole Kidman, mãe de gêmeos e casada com o belo, rico e triste Perry de Alexander Skarsgard; e a jovem mãe solteira Jane, personagem de Shailene Woodley. Motivo de inveja das outras mães, Celeste não vive, em casa, a realidade de comercial de margarina que aparenta ter. Jane, por sua vez, jamais revelou a identidade do pai de seu filho, gerado em um possível ato de violência. (Abaixo, veja o trailer da série, em inglês).

Trailer ‘Big little lies’

A ação começa quando Ziggy, o filho de Jane, é acusado por Amabella, assim mesmo, com ?m?, de tê-la atacado fisicamente. A mãe da menina, Renata, personagem de Laura Dern, uma executiva de sucesso criticada pelas outras mães por deixar o cuidado da filha com uma babá francesa, reage com furor e passa a liderar a oposição contra o trio Madeline-Jane-Celeste. Paira entre os dois flancos a jovem zen Bonnie, cujo maior crime, pela ótica de Madeline, foi ter se casado com seu ex-marido.

? A ideia para mim seria dirigir apenas o piloto, mas não consegui abandonar a Nicole, a Reese e a Laura ? conta Vallée, que dirigiu as duas últimas em ?Livre?, quando ambas receberam indicações ao Oscar. ? Percebi que havia ali algo diferente de tudo o que vejo no audiovisual americano nos dias de hoje. E a plataforma não me importa, pensei em ?Big little lies? como um filme de seis horas, e foi assim que dirigi essas mulheres, inclusive rodando vários episódios inteiros em sequência.

?Big little lies? são contadas seguidamente nos sete episódios até as protagonistas encontrarem, quase sem querer, uma maneira de se unir em torno de um objetivo comum. A sequência de mal-entendidos e mentiras acaba por revelar semelhanças entre as vidas das cinco mulheres que pareciam despercebidas no começo da série. E Liane Moriarty, que acompanhou parte das gravações da minissérie, vendeu os direitos de outro de seus livros, ?Truly madly guilty?, lançado neste ano, para Reese e Nicole. A dupla pretende iniciar a produção ainda em 2017.

? Esse foi o começo de uma parceria que ainda vai dar mais frutos. Eu e Nicole pensamos parecido: já passou da hora de nós, mulheres, termos nossas histórias contadas por nós mesmas, do jeito que a gente quiser. Estamos inseridas na luta pela igualdade nos sets, nas pré-produções e na finalização de filmes e séries televisivas. Cansei de ir ao cinema ou ligar a tevê e ver uma versão enviesada de mim mesma. O mundo mudou, minha gente ? diz Reese.

NOVO LIVRO EM JUNHO

Os fãs brasileiros da literatura de Liane Moriarty já podem comemorar. A Intrínseca, que lançou no país ?O segredo do meu marido? em 2014 e ?Pequenas grandes mentiras? em 2015 coloca nas prateleiras em junho ?Truly madly guilty?, ainda sem título em português. E dois dos livros anteriores mais cultuados da australiana, ?What Alice forgot?, de 2010, e ?Three wishes?, sua estreia, em 2004, foram comprados pela editora, que aproveita a transformação de ?Big little lies? em série para relançar o livro de 2015, agora com Nicole Kidman, Reese Whiterspoon e Shailene Woodley na capa. Ao todo, ela já vendeu 60 mil exemplares no país, mas o campeão de vendas é ?O segredo do meu marido?.

A autora de 50 anos, que migrou tardiamente do mundo da publicidade para a literatura e tem uma faceta menos conhecida de produção voltada para as crianças, já vendeu mais de 6 milhões de exemplares em 42 países, um recorde para autores australianos. Baseada em Sydney e com faro fino para a vida nos subúrbios, ela tem fama de reclusa, e foi preciso que a conterrânea Nicole a convidasse para um café e garantisse não só estar interessada em adquirir os direitos de ?Big little lies?, mas decidida a produzir a adaptação para a TV e a estabelecer parceria duradoura com a autora.

Com uma fortuna estimada em mais de US$ 10 milhões, a autora australiana teve três de seus livros citados ao mesmo tempo na lista dos dez mais do ?New York Times?. Também faz editores do mundo todo coçarem a cabeça o fato de seus tópicos, quase sempre, serem locais, com temas e personagens típicos da vida praiana nas redondezas de Sydney. E, embora seja avessa a publicidade, Moriarty, quando dá entrevistas, invariavelmente lembra seu interlocutor que publicou quatro livros antes de ter filhos e tinha uma outra carreira profissional, recusando o clichê da ?dona de casa entediada que um belo dia resolve escrever sobre suas amigas?.

? Ela escreveu um belíssimo livro, e minha adaptação só foi necessária porque, se fosse aproveitar tudo o que queria na série, seriam necessárias quatro, cinco temporadas. E queríamos fazer uma minissérie com começo, meio e fim. A capacidade de mesclar suspense com um olhar apurado sobre o relacionamento feminino faz dela uma autora originalíssima ? elogia David E. Kelley.

* Eduardo Graça viajou a convite da HBO