Cotidiano

Recusas à Secretaria de Cultura rendem desgaste, ironia e memes

RIO — Depois de tantas reviravoltas sobre os rumos da Cultura na presidência interina de Michel Temer, as redes sociais se encheram de piadas. Houve gente sugerindo nomes aparentemente sem perfil de gestão, mas com perfil de zoação, de Carla Perez a Susana Vieira. A cada notícia de que mais uma mulher recusara o convite para ocupar a Secretaria ou Ministério ou Secretaria de novo, os internautas urravam. Um escreveu: “Descoberta a única mulher não convidada para a Secretaria de Cultura”. Outro lamentou: “Estou me sentindo mais desprezado do que a Secretaria de Cultura do Temer”.

Foram realmente muitos “não” para menos de uma semana de governo — ou muitas declarações públicas de “não”, verdadeiras ou exageradas. Também foram muitos boatos desde que Temer decretou a extinção do Ministério da Cultura (MinC). Na verdade, as especulações começaram semanas antes, ainda com Dilma Rousseff no exercício da presidência, quando Temer passou a articular para compor o que seria sua equipe. Primeiro, a pasta iria para Roberto Freire, presidente nacional do PPS. Depois, ficou definido que o MinC seria fechado, em nome da economia de se acabar com um órgão com menos de 1% do orçamento da União.

No dia da posse, a Cultura, então, foi incorporada ao Ministério da Educação, como ocorreu há mais de 30 anos. Definiu-se, ainda, que haveria uma Secretaria de Cultura, respondendo ao novo ministro, Mendonça Filho, do DEM. O ator Stepan Nercessian, filiado ao PPS, foi o primeiro dos muitíssimos nomes ventilados para a função.

Houve gente que interpretasse a opção de Temer como retaliação à classe artística, em boa parte contrária ao impeachment de Dilma. Houve quem entendesse apenas como mais um descaso com uma área que vinha perdendo relevância: com os últimos cortes orçamentários, o poder de ação do MinC para este ano estava no mesmo patamar de 2005.

Mas, independentemente da razão, a chiadeira dos artistas foi geral, com cartas, manifestos e as ocupações em curso nos prédios do finado MinC. Para piorar, Temer ainda anunciou um ministério sem mulheres. “Cultura e mulher, para Temer, são coisas de segundo escalão”, criticou o ator José de Abreu, no Twitter.

Dali em diante teve início o reality show “Quem vai assumir a Cultura?”. Os boatos diziam que Temer daria o cargo a uma mulher ligada às artes, para tentar resolver dois problemas de uma vez. Mas criou um maior, o da imagem de rejeição. Em jornais ou perfis de Facebook, algumas anunciavam suas recusas a supostos convites: a apresentadora Marília Gabriela, a ex-secretária de Economia Criativa do MinC Cláudia Leitão, a ex-gerente de Patrocínios da Petrobras Eliane Costa, a atriz Bruna Lombardi e a cantora Daniela Mercury.

Também a ex-secretária de Cultura do Estado do Rio Adriana Rattes e a atriz Zezé Motta foram citadas para a função, mas não se manifestaram em público. Dada a dificuldade de se conseguir uma mulher, voltou-se a se cogitar homens, e assim se chegou a Marcelo Calero. Um internauta resumiu: “Só não vem reclamar que Temer não chamou uma mulher, porque o tanto de não que ele levou parecia eu na balada”.

Um problema, contudo, segue: Calero será secretário e não ministro. Se não houver dinheiro para o setor, a diferença é apenas simbólica. Só que desprezar símbolos, para quem lida com cultura, é um erro gigante. A novela da briga com os artistas ainda parece longe do fim.