RIO – Afinal, não era apenas uma tendência passageira, como prova a longevidade da
fórmula que começou lá atrás, há 20 anos, quando os primeiros realities sobre
decoração surgiram nas grades de TV do país. Mais do que angariar espectadores
curiosos, atrações como ?Changing rooms? ? aqui, ?Minha casa, sua casa? (então
exibida no extinto ?People + arts??) ? se tornaram precursoras do movimento
conhecido como DIY (?Do it yourself?? ou ?faça você mesmo?). O tempo passou, e o
que era fórmula virou fenômeno televisivo, com inúmeros programas temáticos em
diversas emissoras, tanto nos canais a cabo quanto nos abertos.
Reformar móveis, pintar paredes, trocar lâmpadas, tingir tecidos, organizar
ambientes são atividades que estão nos roteiros, não necessariamente nesta
ordem, às vezes juntas, às vezes somente uma delas como protagonista.
? Em tempos de crise, as pessoas querem que a TV as ensine a economizar. Elas
não querem parar de consumir, mas querem gastar menos. Por isso, realities que
oferecem serviços, como os de decoração e gastronomia, fazem tanto sucesso ?
analisa o jornalista e professor Claudio Augusto Ferreira, autor da tese de
mestrado ?A dinâmica do reality show na televisão aberta brasileira?, pela
Universidade de Brasília, transformada em livro em 2010 (editora Universa).
O GNT, que começou a apostar no tema em 2003, com o ?+D? ? com a decoradora
Cristina Brasil e a ex-VJ da MTV Chris Nicklas dando dicas práticas de
arquitetura, design e decoração ?, logo cresceu o olho para a promessa de
sucesso. Atualmente, ?Olho mágico ? Reforma de vizinhos? (domingo, às 21h,
reprises; os inéditos foram exibidos no mês passado), ?Admirável móvel novo?
(terça, às 21h), ?Decora? (terça, às 22h) ?Mais cor, por favor? (quarta, às 19h,
reprises; a nova temporada estreia em agosto), ?Design de móveis: a batalha?
(segunda a sexta, às 17h) e ?Santa ajuda? (terça, às 21h30m) abordam o tema na
grade do canal. Mais que isso. Os quatro primeiros estão entre as cinco maiores
audiências da TV paga brasileira entre mulheres das classes A e B.
Programas de reformas e decoração ganham a TVComo uma coisa leva a outra, os bons índices fizeram o
canal aumentar o tempo de duração de alguns deles. O ?Decora?, por exemplo,
estreou em 2011 com 15 minutos semanais, em 2012, saltou para 30 minutos e,
desde 2015, apresenta episódios de uma hora.
? As informações estão mais acessíveis e cuidar da decoração não é mais
exclusividade de quem tem dinheiro ? observa Mariana Koehler, diretora artística
do GNT.
Mas a argamassa desse tipo de programa não se faz só com dicas de arquitetura
e decoração. Segundo Mariana, o carisma do apresentador também entra para dar
liga:
? Apostamos na construção das relações entre nosso elenco e o público,
através de uma linguagem fácil, dinâmica e próxima.
Ferreira acrescenta outro fator: a tarimba do
profissional que participa da atração.
? São nomes já conhecidos e respeitados, que passam confiança. Mesmo que o
espectador não faça ele próprio o que o programa sugere, vai pedir ao pedreiro,
ao marceneiro ou ao pintor que siga as dicas daquele especialista já consagrado
na TV. Vai mostrar uma foto, vai gravar o programa. Fora o status do ?fiz igual
ao da TV?, que acaba valorizando o feito.
Arquiteto à frente do ?Decora?, Mauricio Arruda diz que vê
como sua função principal encorajar o espectador. O que demanda, dele e de
outros profissionais que trabalham em programas com esse formato, rapidez e
habilidade para desenvolver projetos em tempo recorde:
? Costumo dizer que o lema é coração aberto e cérebro
funcionando 24 horas. Estou no mercado há 15 anos, acredito no feeling,
mas há uma metodologia a seguir. E, para que tudo fique pronto a tempo, temos
que ter plano B, carta na manga… Ninguém tira ideia da cartola.
O arquiteto Alexandre Gedeon, do ?Olho mágico?,
compartilha da ideia de Arruda. Com menos de uma semana de prazo entre conhecer
o espectador/cliente que terá um cômodo repaginado e entregar o projeto, ele
ressalta que a dinâmica em si tem mais valor que um acabamento impecável:
? Algo que você faria em dois meses tem que resolver em dois dias. E ainda há
a gravação em si, que atrapalha um pouco o processo.
Outro fator que pode atrapalhar, segundo Gedeon, é o olho grande, e não
mágico, dos participantes:
? Eles pensam: ?Se você colocou uma televisão na outra obra, por que não
coloca na minha??.
Karina Vargas e André Lima, do
?Admirável móvel novo?, apostam na sustentabilidade para convencer participantes
a reutilizar o que já têm.
As dicas abrem a cabeça de quem não sabe o que fazer com um móvel herdado ou achado em brechó? Antigamente, peças velhas eram consideradas velharia. As dicas que damos
abrem a cabeça de quem não sabe o que fazer com um móvel herdado ou achado em
brechó ? observa ela, dona do Estúdio Gloria, em São Paulo, onde o programa é
gravado.
Desde 2007, o Discovery Home & Health investe nas faixas temáticas. A
?Quintas em casa? é dedicada a decoração e afins. Estreia mais recente do canal,
?Casa em jogo?? (às 20h30m), é seguida por dois episódios inéditos de ?Ordem na
casa?. Completam a noite as novas temporadas de ?Irmãos à obra? (às 22h20m), e
?Irmãos à obra: o duelo? (às 23h10m), ambos protagonizados pelos gêmeos
canadenses Drew e Jonathan Scott ? eles ainda comandam o ?Irmãos à obra: compra
e venda? (domingo, às 22h45m).
Com 38 anos, eles largaram as carreiras de diretor e
ilusionista, respectivamente, para se dedicar ao mercado imobiliário,
influenciados pelo pai, que construía casas. Compraram a primeira propriedade
aos 18 anos, por US$ 250. Venderam um ano depois, por US$ 50 mil. A expertise,
aliada à boa-pinta, os levou para a TV. No Brasil, a ?franquia?? Drew e Jonathan
representa a maior audiência entre os programas de decoração do canal, cujo
público-alvo são mulheres de 18 a 49 anos. Lá fora, o sucesso é o mesmo, tanto
na TV americana quanto na canadense.
A compra da primeira casa é algo explorado também no
?Proprietários de primeira viagem?, que passa no Fox Life (domingo, às 10h30m).
O canal exibe ainda ?Minha nova casa velha? (quinta, às 18h), apresentado por
David Bromstad, que mistura decoração e reformas numa competição entre
casais.
Na TV aberta, o fenômeno é mais tímido, mas está lá, em quadros como ?Lar
doce lar?, do ?Caldeirão do Huck?, e ?Hoje em casa?, do ?Jornal hoje?, ambos da
TV Globo. Este último dá dicas em reportagens curtas, de até três minutos.
Huck associa a popularidade do quadro a uma mudança no comportamento do
brasileiro:
? A casa é um lugar sagrado. Sonho de todos, sem exceção.
Acho que, apesar de tudo, nos últimos 15 anos, o brasileiro em geral começou a
pensar mais em itens de conforto e decoração da porta para dentro da sua casa. E
os quadros e programas que tratam desse universo estabeleceram um diálogo nesse
sentido, falando com cada vez mais gente.
