Cotidiano

Provas, convicção e espuma sobre a denúncia de Lula

A estridente apresentação da denúncia do Ministério Público Federal é um case perfeito sobre os tempos atuais. Há naquela cena e na enorme repercussão que se seguiu doses de preocupação sadia com possíveis exageros da Lava-Jato e de desonestidade intelectual a serviço de uma causa.

Cada lado dessa história traduziu a entrevista coletiva dos procuradores de Curitiba ao sabor de suas convicções. Os relatos nas redes sociais acrescentaram ingredientes fantasiosos para reforçar uma ou outra versão. Uma análise mais fria, porém, permite separar as coisas e concluir que a leitura mais honesta está provavelmente no meio do caminho, como quase sempre.

A maior polêmica se deu em torno da suposta confissão de um dos procuradores (“não temos como provar, mas temos convicção”), usada por Lula em seu discurso de defesa na tarde desta quinta-feira. Noves fora os memes hilários que serviram ao menos para nos fazer rir, serve para muito pouco.

A frase nunca foi dita. Há um ponto da apresentação que, imagina-se, ela tenha sido extraída. Trata-se da exposição do procurador Robertson Pozzebon, que, ao explicar a denúncia de que o petista praticou o crime de lavagem de dinheiro, afirmou que “não há provas cabais de que Lula é efetivo proprietário no papel” do tríplex do Guarujá.

Não há aí uma confissão de falta de provas. Nunca houve a suspeita de que Lula seja o proprietário, no papel, do tríplex. Mas sim de que o ex-presidente seja o dono oculto do apartamento registrado no nome da OAS.

Fortes evidências apontam nesse sentido, como as caixas de mudança do ex-presidente endereçadas ao local, o depoimento de funcionários e de dirigentes da OAS, conversas grampeadas entre engenheiros da obra, compras de equipamentos e a presença de Lula e Marisa Letícia no imóvel, comprovada por fotos.

Por outro lado, o Ministério Público trata o caso do tríplex não como um mimo a Lula, mas como parte do pagamento ao “comandante máximo” do esquema criminoso. O ex-presidente é chamado, entre outras coisas, de “general” da “propinocracia” instalada no país. Nessas acusações, devastadoras, há mais convicções do que provas, para usar os termos da polêmica.

O Ministério Público é o órgão acusador. Cabe à Justiça analisar se houve ou não crime. Mas quando exageram nas tintas, os procuradores alimentam o discurso de perseguição política e diluem os aspectos técnicos da investigação no ambiente nebuloso das disputas virtuais.