Agronegócio

Projeto que flexibiliza uso de agrotóxicos avança na Câmara

A comissão especial da Câmara dos Deputados que analisa o Projeto de Lei 6.299/02, que trata do registro, fiscalização e controle dos agrotóxicos no País, aprovou nesta semana, com 18 votos a favor e 9 contrários, o parecer do relator, deputado Luiz Nishimori (PR-PR), que flexibiliza o uso de agrotóxicos no Brasil. Após concluída a votação na comissão, o projeto ainda tem que ser apreciado pelo plenário da Casa.

Em mais uma sessão tumultuada, parlamentares ambientalistas e ruralistas divergiram na apreciação da proposta. Sem sucesso, deputados da oposição tentaram adiar novamente a votação do relatório. Na semana passada, a sessão foi interrompida por uma suspeita de bomba na comissão. O artefato era falso e a organização não governamental Greenpeace assumiu a ação.

Chamado de PL do Agrotóxico por deputados da oposição e ativistas, o projeto prevê, por exemplo, a alteração do nome “agrotóxicos” para “pesticidas”, o que deve facilitar o registro de produtos cujas fórmulas, em alguns casos, são compostas por substâncias consideradas cancerígenas pelos órgãos reguladores. Antes, a proposta era alterar a nomenclatura para “produto fitossanitário”.

A proposta concentra poderes no Ministério da Agricultura no registro de novos produtos e prevê a adoção de uma tabela de grau de risco para novas substâncias no Brasil, permitindo que produtos hoje vetados pela lei atual – por conterem substâncias cancerígenas, teratogênicas (que causam malformações) e mutagênicas (que provocam mutações genéticas) – passem a ser analisados conforme um grau de tolerância.

O PL abre a possibilidade para que haja o registro dessas substâncias após uma “avaliação de risco” que aponte possíveis doses seguras. Só ficaria proibido algo que apresente “risco inaceitável”.

Os parlamentares ligados ao agronegócio afirmam que o projeto agiliza um processo hoje moroso – que seria de oito a dez anos – e abre espaço para novos pesticidas mais modernos. Segundo eles, a “farmácia do agronegócio” está esvaziada por causa da lentidão do setor público em permitir que novos produtos entrem no País.

Ao apresentar o parecer, o deputado Luiz Nishimori afirmou que não quer “colocar veneno” no prato das pessoas e que o projeto prevê a atuação da Anvisa na proibição do registro de produtos que apresentam risco “inaceitável” à saúde e ao meio ambiente.

“Nosso projeto quer colaborar com comida mais sadia e segura para nossa sociedade. Ninguém vai colocar novas substâncias, novos produtos no mercado. A Anvisa é muito competente, muito rígida e vai ter as mesmas funções de hoje”, defendeu o relator.

Críticas

A proposta, porém, enfrenta críticas até de órgãos do governo. Em nota técnica, o Inca (Instituto Nacional do Câncer), órgão do Ministério da Saúde que tem como missão apoiar o desenvolvimento de ações integradas para prevenção e controle do câncer, defendeu que o Marco Legal dos Agrotóxicos (Lei 7.802/1989) não seja alterado e flexibilizado.

“Tal modificação colocará em risco as populações – sejam elas de trabalhadores da agricultura, residentes em áreas rurais ou consumidores de água ou alimentos contaminados -, pois acarretará na possível liberação de agrotóxicos responsáveis por causar doenças crônicas extremamente graves e que revelem características mutagênicas e carcinogênicas”, diz o documento.

A Anvisa também condenou a proposta por acreditar que o projeto não atende a população, que deveria ser o foco da norma. “O PL não contribui com a melhoria, a disponibilidade de alimentos mais seguros ou novas tecnologias para o agricultor nem mesmo com o fortalecimento do sistema regulatório de agrotóxicos”, diz a agência.

O deputado Ivan Valente (Psol-SP) afirmou que, caso a matéria seja aprovada pelo plenário, o partido ingressará com uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) no STF (Supremo Tribunal Federal). “Se chegar ao plenário, a sociedade brasileira vai repudiar esse projeto. Se ele passar, haverá uma Ação Direta de Inconstitucionalidade. Vamos ao Supremo derrubar esse veneno”, disse.

Os agrotóxicos no oeste

Uma pesquisa publicada na Revista Científica Saúde em Debate no ano passado colocou Cascavel e região com destaque negativo na relação consumo de agrotóxico e malformação congênita.

O estudo publicado há um ano é de dois pesquisadores da Fundação Fio Cruz, Lidiane Silva Dutra e Aldo Pacheco Ferreira, e leva o título "Associação entre malformações congênitas e a utilização de agrotóxicos em monoculturas no Paraná, Brasil".

A pesquisa compreende os períodos de 1994 a 2003 e 2004 a 2014 e considera o uso de agrotóxico em milho e soja.

Os números mostram alta incidência devido ao contato das gestantes com o agrotóxico.

Na região de Cascavel nasceram 192 pessoas com problemas no sistema nervoso. Números expressivos também casos de fenda labial e palatina associadas ao consumo de agrotóxico: 177 casos.

A pesquisa mostra ainda que é grande a quantidade de veneno consumido na região.

No Paraná, a região com maior consumo de agrotóxico (média 2014-2015) foram Cascavel (5.107,46 toneladas), Ponta Grossa (3.526,73 toneladas) e Toledo (3.336,95 toneladas).

A conclusão é a seguinte: "O presente estudo encontrou uma taxa maior de malformação congênita para a UR [unidade regional] com maior uso de agrotóxico (UR Cascavel) e para o estado no Paraná no período com maior uso de agrotóxicos (2004-2014)".

A pesquisa também aponta dificuldade no controle efetivo de exposição aos pesticidas e que há um lobby dificultando o acesso a essas informações.

"Os dados referentes ao uso dos produtos não são sistematizados em bancos de dados informatizados para a grande maioria dos estados do País. Isso dificulta a mensuração do impacto da exposição ambiental desses produtos sofrida pela população. Além disso, o lobby exercido pelas grandes corporações impede, quase sempre, o acesso à informação. Muitas são as dificuldades no estabelecimento da relação entre MC e a exposição a agrotóxicos, a despeito de se ter substâncias reconhecidamente disruptoras endócrinas presentes nesses químicos".