Cotidiano

Projeto de abuso de autoridade permite ?vingança privada?, dizem procuradores

BRASÍLIA – A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) emitiu nota técnica em que diz que o texto do projeto de abuso de autoridade permite “vingança em face de atuações regulares e corretas do Estado”. A proposta é de autoria do senador Renan Calheiros (PMDB-AL), que defendeu urgência na votação do projeto na Comissão de Consolidação da Legislação Federal e Regulamentação da Constituição.

O colegiado é presidido pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR). Os dois parlamentares são investigados na Operação Lava-Jato. Jucá divulgou relatório favorável à proposta, mas a votação ficou para agosto.

A nota da ANPR, assinada pelo presidente da entidade, José Robalinho Cavalcanti, foi distribuída a todos os integrantes da comissão. Os procuradores pedem a rejeição do projeto ou que ele seja levado a “instâncias normais de deliberação legislativa”, mais especificamente à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

A ANPR criticou a possibilidade de ações privadas subsidiárias num prazo de 15 dias, ou seja, a permissão para que ações sejam apresentadas por pessoas que alegarem ser vítimas de abuso de autoridade. Este tipo de ação, hoje, é uma competência do Ministério Público. O projeto de Renan permite as ações privadas caso o MP nada faça em 15 dias.

O GLOBO mostrou na edição de segunda-feira que este ponto do projeto é o principal problema na visão de equipes de investigação da Lava-Jato em Brasília. Estas equipes atuam nos inquéritos relacionados a autoridades com foro privilegiado, como Renan e Jucá.

“Se a ação privada é facultada de forma inédita e apressada especificamente na lei que tem como objeto a ação fiscalizatória e punitiva do Estado, estar-se-á permitindo e estimulando o uso de ações criminais privadas como forma de coação, inibição e vingança em face de atuações regulares e corretas do Estado”, afirmou a ANPR na nota. “Se já não fosse isto suficientemente grave, estar-se-á permitindo principalmente e de forma mais efetiva aos mais ricos e poderosos na sociedade, pois eles terão acesso mais facilitado aos recursos de advogados privados”, continuou.

A medida tem apenas “fins de vingança privada”, segundo José Robalinho. A nota técnica pede a supressão de dois artigos do projeto.

Um dos artigos propõe pena de prisão de seis meses a dois anos em casos de reprodução de diálogos sigilosos em processos criminais. “O que se deve vedar é a divulgação ilícita do conteúdo, esta sim já coibida em diversos dispositivos, a exemplo da lei de interceptações telefônicas”, argumentou a ANPR.

Já o segundo artigo criticado pune com pena de prisão de um a cinco anos dar início a uma investigação penal, civil ou administrativa “sem justa causa fundamentada”. A ANPR considerou uma “mordaça” essa previsão no projeto.

A Associação dos Juízes Federais (Ajufe) já sustentou em nota que o projeto de Renan ?parece uma tentativa de intimidação de juízes, desembargadores e ministros do Judiciário na aplicação da lei penal em processos envolvendo criminosos poderosos?. O projeto é o mesmo que tramitou na Câmara até 2009 e conta com o apoio do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes.

A proposta prevê punição para servidores da administração pública e integrantes dos Poderes Legislativo, Judiciário e do MP. O texto proíbe ?o uso de algemas ou de outro objeto que tolha a locomoção? quando não houver ?resistência à prisão?. O projeto também se propõe a evitar grampos sem autorização judicial.