Cotidiano

Professor que perdeu mobilidade após zika conta como está vivendo

Quase um ano se passou desde que o professor e mestrando em Química Jonas Ávila deixou sua casa em São Gonçalo. Ele foi vítima de um dos casos mais graves de zika com complicações neurológicas de que se tem notícia. Entrou no hospital em 7 de janeiro. De lá, só pôde sair em 18 de novembro. Jonas mudou. Perdeu movimentos de braços e pernas, sofreu uma traqueostomia. Ensinava. Agora aprende a viver de novo. Só o que não mudou foi São Gonçalo. A ameaça do mosquito Aedes é a mesma, um microcosmo da tragédia das epidemias do Brasil.

O município continua em alerta por focos de larvas do inseto, segundo o mais recente boletim do Levantamento Rápido de Índices para Aedes aegypti (LIRAa). A Baía de Guanabara e seus alagadiços repletos de lixo ficam a menos de um quilômetro da casa onde Jonas, de 34 anos, mora com a mulher Camila e os sogros.

? Cresci com o medo da dengue e sofri com o meu marido o terror da zika. Agora, ainda tem a chicungunha. Graças a Deus e aos médicos ele está de volta com a família. Mas a ameaça do mosquito continua aqui. Não há focos em casa. Mas olhe as ruas, olhe o esgoto, olhe a cidade ? diz Camila, única de sua família que nunca teve uma das infecções transmitidas pelo Aedes.

Ela e a mãe, Margarete de Jesus Walter Veríssimo, foram companheiras diárias e incansáveis do professor durante os 11 meses de internação no Hospital Universitário Antonio Pedro, da UFF, em Niterói. Nem por um dia deixaram de atender a pedidos de Jonas, cujas últimas palavras antes de perder a consciência, em janeiro, foram um apelo para não ficar sozinho.

Margarete, como a filha, se preocupa com a reabilitação do genro. Ele desenvolveu a forma mais grave da síndrome de Guillain-Barré, diz o neurologista Osvaldo Nascimento, professor titular da UFF e uma das maiores autoridades do país na doença. Jonas foi um dos casos mais severos que Nascimento atendeu no centro de referência de Guillain-Barré que lidera na UFF. O paciente desenvolveu encefalite. Ficou no CTI até 12 de julho. Em consequência da doença, teve complicações na medula e no pulmão.

? Ele superou as expectativas dos médicos. Por um tempo, ficou tão mal que nos preparavam para o pior. Mas somos pessoas de muita fé, nunca perdemos a esperança de que ele voltaria para casa. E Jonas tem muita vontade de viver ? conta Margarete.

Esperança Margarete só não tem que São Gonçalo se livre do mosquito. Ela e o marido contraíram dengue em dezembro de 2015, na mesma época em que Jonas adoeceu com zika. Mas, ao passo que se recuperaram, o genro começou a apresentar sinais de comprometimento neurológico, como dormência nos membros, alguns dias após os sintomas da zika desaparecerem. Em menos de uma semana, seu estado se agravou ao ponto de perder a consciência.

? Tivemos a sorte de o Jonas ser atendido por uma equipe médica maravilhosa na UFF. Mas não sabemos como será sua reabilitação agora. Ele conseguiu atendimento na Andef (Associação Niteroiense de Deficientes Físicos), onde são muito bons, mas não há ambulância para levá-lo. Contamos com a ajuda dos amigos. Do município, não temos nada, só mosquitos ? frisa Margarete.

O professor sonha retomar o mestrado em Química. E conquistar pequenas vitórias cotidianas. Uma delas foi redescobrir a própria voz. Ele hoje consegue falar com clareza, ainda que pausadamente. Também não perdeu a memória e mantém, inclusive, o domínio do inglês.

? Nunca fiquei doente. Sempre tive ótima saúde. Realmente é difícil entender como a picada de um mosquito, uma coisa que deveria ser evitável, pode ser tão devastadora. Os médicos também não sabem ainda explicar como pessoas como eu, que não estão em grupo de risco, podem adoecer dessa forma devido ao zika ? afirma Jonas.

Ele agradece à Andef pelo atendimento de fisioterapia. E lamenta o desamparo em que se encontram as vítimas desse vírus:

? Encontrei amparo em Deus e na minha família. Mas e quem não tem família, não tem amigos com carro? Conta com o sistema de saúde falido? Só o que não falta é mosquito.