Cotidiano

Pré-sal está prestes a liderar a produção de petróleo no país

Dez anos depois do anúncio de sua descoberta, o pré-sal já se prepara para liderar a produção de petróleo no Brasil. Com a entrada de novas unidades em operação no meio do oceano, a expectativa do governo, segundo fontes, é que os campos do pré-sal ultrapassem o volume de óleo e gás oriundos do pós-sal no fim do primeiro semestre do ano que vem. A camada, cuja extração ocorre a mais de 7.000 metros de profundidade, já atingiu mais de 1 milhão de barris diários, 40% de todos os 2,1 milhões de barris extraídos por dia no país. Mas, apesar dos bons números, seu desenvolvimento futuro depende de uma série de desafios, como as mudanças na legislação.

Geralmente, a indústria leva de sete a dez anos entre a descoberta e o início da produção. No caso do pré-sal, as atividades andaram mais rapidamente. A Petrobras anunciou a descoberta de Tupi ? hoje Campo de Lula, na Bacia de Santos ? em 2006, com mais informações sobre o potencial no ano seguinte. Em 2010, a estatal já comemorava a produção de 41 mil barris por dia. De lá para cá, a Petrobras decidiu focar investimentos nessa área devido à alta produtividade. Isso permite geração de caixa mais rápida num momento em que a estatal sofre com endividamento de R$ 397,8 bilhões.

A tecnologia teve papel fundamental no processo. Líder em exploração em águas profundas, a Petrobras, ao trabalhar em parceria com fornecedores, universidades e centros de pesquisa, desenvolveu equipamentos, como brocas e tubos resistentes para operar em diferentes níveis de pressão e elevadas quantidades de gás carbônico nas rochas geradoras, abaixo da camada de sal. Com isso, vem conseguindo reduzir o tempo de perfuração, tornando o pré-sal mais atraente do ponto de vista financeiro.

Somente no primeiro semestre deste ano foram conectados 31 poços por meio de quatro navios-plataforma (FPSO). E até o fim deste ano outros 39 poços serão conectados, elevando a produção. Segundo fontes, além da FPSO Caraguatatuba, que irá operar no Campo de Lapa, na Bacia de Santos, a Petrobras vai liberar a P-66 até dezembro, que será direcionada ao Campo de Lula.

Outro ponto que ajuda a explicar a rápida evolução do pré-sal é a elevada produtividade. A maioria dos poços no pré-sal tem capacidade para produzir 25 mil barris por dia. Em alguns casos, o número chega a 45 mil barris diários. O poço de maior produção está no Campo de Lula com vazão de 36 mil barris por dia. E a Petrobras já trabalha com a possibilidade de colocar em produção poços no pré-sal com vazão de 50 mil barris por dia de petróleo.

? A expectativa é que o pré-sal ultrapasse o pós-sal no fim do primeiro semestre do ano que vem. A Petrobras vai focar nos campos do pré-sal, que é onde vai dar mais produção. Lula, por exemplo, conta com seis das dez plataformas hoje em operação. Os maiores campos são Lula e Libra. Esse é o foco. Há algumas unidades importantes que vão entrar em operação neste ano ? destacou uma fonte do governo que pediu para não se identificar.

A diretora de Exploração e Produção da Petrobras, Solange Guedes, disse, por e-mail, que a estatal conta com áreas relevantes no pré-sal e pós-sal:

? O pré-sal é sem dúvida um ativo excepcional, e a Petrobras desenvolveu um conhecimento único. É a empresa que melhor entende esse potencial. Além disto, é importante lembrar que temos excelentes ativos fora do pré-sal. Toda empresa de petróleo gostaria de ter Roncador (na Bacia de Campos), que não fica no pré-sal. Não é questão de localização, mas de gestão integrada de todos os ativos.

CONTEÚDO LOCAL DE LIBRA PREOCUPA SÓCIOS

Mas, apesar do avanço do pré-sal, a produção total do país não deverá ter alta expressiva. Segundo uma fonte do governo, isso ocorre porque a produção no pós-sal, sobretudo na Bacia de Campos, sente o efeito do declínio natural dos campos.

? A expectativa é que a produção total diária no Brasil oscile entre 2,2 milhões e 2,3 milhões por muito tempo. E há muitos desafios no pré-sal, como o conteúdo local ? disse uma fonte.

Uma das apostas da Petrobras, o Campo de Libra, com reservas recuperáveis de até 12 bilhões de barris, já vem sendo motivo de preocupação entre os sócios da estatal (a anglo-holandesa Shell, a francesa Total e as chinesas CNPC e CNOOC), segundo uma fonte do setor. É que as companhias estariam cobrando mais foco da Petrobras, operadora da área sob o regime de partilha, para cumprir a cota obrigatória de conteúdo local prevista em edital da Agência Nacional do Petróleo (ANP).

? O Teste de Longa Duração (TLD) de Libra começa no ano que vem. Nessa fase é preciso um conteúdo local de 15%. E as empresas do consórcio estão cobrando uma solução da Petrobras porque não querem ser multadas e vislumbram que esse índice poderá não ser atingido. Libra pode dar problema. As mudanças que estão sendo estudadas no conteúdo local só devem entrar em vigor no próximo ano para as rodadas futuras. Para o que já foi licitado, valem as regras antigas ? disse a fonte.

As mudanças nas regras de conteúdo local estão sendo conduzidas pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) e devem ser concluídas nos próximos meses, com um percentual menor de exigências. O diretor-geral da Total E&P do Brasil, sócia da Petrobras em Libra, Maxime Rabilloud, disse ao GLOBO que tem grande interesse em investir no país, mas destacou ser importante tornar as regras do conteúdo local mais flexíveis e buscar o equilíbrio das exigências para aumentar a competitividade da indústria nacional:

? Há boas perspectivas de crescimento para as empresas no Brasil. Entretanto, há desafios para o setor de petróleo, a fim de garantir estabilidade para as empresas que investem no país. O aprimoramento da política de conteúdo local, por exemplo, é questão fundamental.

Segundo ele, o desafio diante do cenário de preços baixos do barril de petróleo é otimizar os custos do projeto para manter a competitividade:

? O início do TLD é previsto para 2017. Libra é uma das maiores frentes de exploração e produção no mundo e tem um peso importante em nossa estratégia global de crescimento.

Carlos Assis, sócio líder do Centro de Energia da EY (ex-Ernst & Young), lembra que, com a queda no preço do petróleo, a viabilidade econômica do pré-sal passou a ser um sinal de alerta. Ele cita os dados da Agência Internacional de Energia, que mostram viabilidade com o preço do barril a partir de US$ 45. Na sexta-feira, fechou a US$ 48.

? O sucesso do pré-sal veio confirmar as melhores projeções. Tudo vai depender de Libra. Os investimentos em tecnologia são extremamente importantes, assim como a colaboração entre as empresas que atuam em toda a cadeia ? disse Assis.

REDUÇÃO DE CUSTOS

A Petrobras tem conseguido redução importante no tempo de perfuração dos poços no pré-sal e, com isso, redução de custos. Segundo a Petrobras, o prazo médio de construção de poço marítimo no pré-sal da Bacia de Santos era, até 2010, de 310 dias. Com a adoção de novas tecnologias e o aumento da eficiência, em 2015 esse tempo baixou para 128 dias e no primeiro semestre já caiu para 89 dias.

O custo médio de extração do petróleo do pré-sal (sem contar o desenvolvimento da produção) caiu. Passou de US$ 9,1 por barril de óleo equivalente (óleo e gás) em 2014, para US$ 8,3 em 2015, e atingiu valor inferior a US$ 8 por barril no primeiro trimestre de 2016, segundo a Petrobras.

Especialistas listam como desafios para a expansão a mudança na legislação, que prevê o fim da obrigatoriedade de a Petrobras atuar como operadora única dos campos do pré-sal. O projeto, em tramitação no Congresso, deve ser votado nesta semana e faz com que a estatal seja livre para avaliar em quais áreas pretende investir. Hoje, ela tem de entrar em todos os campos, sob o regime de partilha, com percentual mínimo de 30%.

Edmar Almeida, membro do Grupo de Economia da Energia da UFRJ, destaca que as mudanças na lei vão ajudar a atrair investimento e viabilizar o leilão de novas áreas de exploração do pré-sal.

? Hoje, o ritmo é determinado pela Petrobras. Muitos investimentos estão parados por causa da discussão da unitização de áreas do pré-sal porque o campo extrapola a área concedida em leilão. Há muitos blocos dentro do pré-sal na Bacia de Campos que não têm a mesma qualidade de Lula e Libra, mas podem ser boas opções para diversas empresas ? destacou Almeida.

Somente as descobertas do pré-sal já feitas pela Petrobras em consórcio com vários parceiros, no regime de concessão, podem dobrar as reservas de petróleo do país, que hoje estão em 16 bilhões de barris. Mas, dizem especialistas, o potencial total do pré-sal, considerando áreas ainda não descobertas, poderia chegar a 70 bilhões de barris.

Mesmo diante de tanto potencial, a queda no preço do barril faz com que as empresas analisem os riscos regulatórios e fiscais do país para decidir seus investimentos. Esta é a avaliação do secretário executivo do Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP), Antônio Guimarães, para quem é fundamental o governo brasileiro eliminar gargalos que vão desde a regra de operador único até questões relacionadas ao conteúdo local:

? Não precisa se fazer tudo no Brasil, mas, sim, segmentos que façam sentido serem incentivados. A ANP já tem novas áreas que poderiam ser leiloadas mais rapidamente no pré-sal como Peroba, Pau Brasil e Saturno, entre outras. Ou seja, só falta dar as condições efetivas para investimentos nessa área.

O executivo do IBP acredita que na feira Rio Oil & Gas, em outubro, o governo anunciará algumas mudanças regulatórias esperadas pelo setor.

Procurada, a Petrobras não comentou a perspectiva da produção do pré-sal ultrapassar a do pós-sal no próximo ano.