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Policiais usam Jogos para dar visibilidade a protestos e são criticados pelo setor de turismo

RIO – Em meio à crise financeira do estado, que atinge todas as categorias, três delas resolveram se juntar para fazer pressão em busca de recursos. Temendo que o orçamento da segurança seja remanejado para outras pastas, com a chegada dos R$ 2,9 bilhões prometidos pela União para a área, policiais civis e militares, além de bombeiros, fizeram na segunda-feira manifestações em diferentes pontos da cidade para reclamar das más condições de trabalho e do atraso no pagamento dos salários. A 38 dias do início dos Jogos Olímpicos, eles aproveitam a proximidade da competição para dar visibilidade ao movimento. No Aeroporto Internacional Tom Jobim, cerca de 30 servidores estenderam um faixa na área de desembarque, em inglês, com um alerta aos passageiros: “Welcome to hell. Police and firefighters don’t get paid. Whoever comes to Rio de Janeiro will not be safe” (“Bem-vindo ao inferno. A polícia e os bombeiros não recebem pagamento. Quem vier para o Rio de Janeiro não estará seguro”).

O aproveitamento político da Olimpíada do Rio foi criticado pelo presidente da Associação Brasileira da Indústrias de Hotéis (ABIH), Alfredo Lopes.

— Acho uma irresponsabilidade um servidor público colocar isso (a faixa com a frase). O turista chega à cidade e vai deixar recursos, movimentar a economia. Expor uma frase dessa na porta de entrada do Rio é quase um ato de terrorismo. É uma atitude chocante, horrível, na véspera de um megaevento. Manifestação tem limite — disse, embora reconheça os problemas enfrentados pelas categorias. — Foi um ato inconsequente,que pode gerar uma mídia negativa no exterior. É mais um golpe na nossa imagem combalida. Estamos perdendo um dos legados que os Jogos podem deixar, que é a nossa imagem.

O vice-presidente do Sindicato das Empresas de Turismo no Estado, Luiz Eduardo Amorim, endossou as críticas:

— Isso assusta qualquer pessoa que chegue ao Rio, a porta de entrada do Brasil. Eu ficaria muito apreensivo se fosse recepcionado dessa maneira.

Para o presidente do Sindicato dos Hotéis, Bares e Restaurantes do Rio (SindRio), Pedro de Lamare, a Olimpíada do Rio está servindo de holofote para os servidores atingidos pela crise:

— Os servidores estão aproveitando o momento para fazer o movimento. A questão é que eles querem protestar debaixo de um holofote. É péssimo para o Rio, para o Brasil e para o nosso setor.

ESQUEMA DE SEGURANÇA REÚNE 85 MIL AGENTES

A segurança dos Jogos não está a cargo apenas das polícias Civil e Militar do Rio. No maior e mais complexo esquema de segurança já empregado num grande evento na história do país, 85 mil homens serão mobilizados durante a Olimpíada. Nas ruas, serão 47 mil (policiais civis, militares e federais, agentes da Força Nacional e da Defesa Civil). Além disso, 38 mil das Forças Armadas estarão protegendo estruturas estratégicas. Do planejamento, constam ainda cerca de 15 mil militares, que estarão de prontidão nos quartéis e poderão ser acionados em caso de colapso na segurança pública.

A União está analisando também um pedido do governo do estado para reforçar o patrulhamento de vias expressas com integrantes das Forças Armadas. Os números ainda não estão fechados, mas é possível que três mil militares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica montem guarda na Avenida Brasil e nas linhas Amarela e Vermelha.

O secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, pediu ainda que o Tom Jobim e seu entorno passem ao controle das Forças Armadas.

— Podemos assegurar que a segurança está garantida durante os Jogos, inclusive se ocorrer um colapso — disse um oficial envolvido nos preparativos para o evento.

Para o coronel José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de Segurança Pública, a tranquilidade da população, das delegações e dos espectadores não estará ameaçada.

— Entendo que, com a entrada nas ruas do contingente militar, se deve ter uma certa garantia de tranquilidade, principalmente nas áreas abrangidas pela Olimpíada. Com as tropas federais nas ruas, os bandidos se intimidam e evitam ações. No entanto, é importante que a tropa não seja totalmente retirada das ruas de uma hora para outra, para que não ocorra um agravamento da situação após os Jogos.

Apesar de não serem os únicos responsáveis pela segurança, policiais vão continuar usando a Olimpíada como moeda de troca. Segundo o presidente da Coligação dos Policiais Civis do Rio, Fábio Neira, na próxima segunda-feira haverá outra manifestação, às 6h, no Aeroporto Internacional:

— Vamos fazer panfletagem. Queremos a integralidade dos salários e o retorno do pagamento no segundo dia útil do mês, porque ele está sendo parcelado e pago a partir do décimo dia útil. Pedimos também o pagamento do RAS (Regime Adicional de Serviço, hora extra) e a volta dos terceirizados.

No protesto de ontem no aeroporto, um dos organizadores, que preferiu não se identificar, disse que o objetivo do movimento é dar visibilidade internacional ao que está acontecendo no Rio:

— Estamos indignados com as péssimas condições de trabalho: escala de serviço massacrante, armamento obsoleto, pistolas que não funcionam, coletes (à prova de balas) vencidos. Não há papel nas delegacias, não há limpeza, não há combustível para as viaturas.

DELEGADOS PARALISAM ATIVIDADES DAS 8H ÀS 16H

Os delegados também aderiram aos protestos. Um grupo cruzou, literalmente, os braços diante da Cidade da Polícia, no Jacaré, onde há 17 delegacias. A paralisação começou às 8h e só terminou às 16h. Nesse período, nenhuma investigação foi feita. Em diversas delegacias do Rio, ontem foram registradas apenas prisões em flagrante e atendidos casos de remoção de cadáver. Na 10ª DP (Botafogo), uma carta colada na porta explicava à população que não há nas unidades água, papel e impressoras. Afirmava ainda que o sistema de inteligência e o banco de dados estavam seriamente ameaçados.

Na segunda-feira, foi enterrado o tenente da PM Denílson Theodoro de Souza, que trabalhava como segurança do prefeito Eduardo Paes. Ele foi baleado durante um assalto na Pavuna. Com o caso dele e o do soldado José Josenilson Alves dos Santos, assassinado anteontem, já são 50 policiais mortos este ano. Lotado na UPP de Manguinhos, o soldado foi atacado no acesso da Rio-Petrópolis à Avenida Brasil, na altura da Favela da Cidade Alta. Na lataria do seu veículo, os bandidos escreveram: “Morre PM”.