Cotidiano

Petersburg, a cidade que deu 9 em cada 10 votos a Trump

PETERSBURG, EUA ? Os protestos contra a eleição de Donald Trump impressionam o mundo e sensibilizam os jovens das grandes cidades americanas. Mas não Alice Knack, de 22 anos. Moradora de Petersburg, na Virgínia Ocidental, ela comemora a ascensão do polêmico magnata, como parte do grupo eufórico com sua eleição. E ainda ironiza os outros millennials (jovens adultos, de 18 a 30 anos, que estiveram com Bernie Sanders nas primárias democratas, depois com a derrotada Hillary Clinton e agora são a base dos protestos) com um conselho revanchista:

? Esperem quatro anos (para as próximas eleições). Meu pai foi obrigado a esperar calado os oito anos de Barack Obama na Casa Branca.

A estudante não é exceção onde mora, uma cidade típica do estereótipo de interior americano, apenas com casas sem cercas e bandeiras dos Estados Unidos espalhadas por todos os lados. Petersburg faz parte do condado de Grant, onde Trump obteve nove em cada dez votos, configurando um dos municípios com maior percentual de votos no magnata. Além do conservadorismo que passa de pai para filho no estado, os jovens da região foram seduzidos pelas promessas do republicano de fazer a economia crescer com a retomada do carvão, amaldiçoado pelo governo ambientalista de Obama.

? Meus amigos comemoraram muito. Acreditam que ele defenderá a Segunda Emenda (que permite o porte de arma) e a retomada do carvão. Eu não votei porque tenho 16 anos, mas queria ter votado nele ? afirmou o estudante Deveryn Mussen.

A cidade de três mil habitantes possui diversas placas com os dizeres: ?Trump desenterre nosso carvão.? O estado se separou da escravocrata Virgínia por ser abolicionista, uma vanguarda de seu tempo, mas os conservadores ganham cada vez espaço no local.

? Ninguém se importou por eu ter colocado a bandeira de Trump na porta do meu negócio: todos aqui votaram nele ? conta Lisa Dickerson, de 54 anos, dona de uma pet shop.

SENSAÇÃO DE ESQUECIMENTO

A Virgínia Ocidental, que deu 68,7% de seus votos a Trump, vive a decadência comum do chamado Cinturão da Ferrugem, antiga área industrial e setor de mineração do país, que se ressente da abertura comercial da maior economia do mundo a outras nações. Mas, no caso do estado de 1,844 milhão de habitantes, a sensação é também de esquecimento. A pobreza atinge 17,9% da população local e o estado tem a segunda pior renda per capita nacional, de US$ 22,7 mil anuais, à frente apenas do Mississippi. Mas a desigualdade parece maior pelo fato de Petersburg ficar a apenas duas horas e meia de carro de Washington, onde Trump obteve apenas 4,1% dos votos ? a capital americana tem uma renda média anual por pessoa de US$ 45,8 mil, o dobro da Virgínia Ocidental.

? Estes jovens que estão protestando contra Trump parecem se esquecer que ele foi eleito de forma legítima. Foi uma grande vitória em todo o país ? afirmou Teresa Borror, que vende roupas e objetos de segunda mão em tendas ao ar livre em Petersburg. ? Acredito que são pessoas que queriam ainda mais benefícios do governo, como não pagar pela educação. Ora, eu estou aqui me virando para dar ensino aos meus dois filhos.

Teresa quebra o estereótipo que muitos progressistas têm dos eleitores de Trump, vistos como ?deploráveis?, como chegou a dizer Hillary Clinton na campanha. A vendedora se diz conservadora, mas entende que é preciso avançar em alguns pontos. Contrária ao aborto, se diz favorável à pílula do dia seguinte. Diferentemente do presidente eleito, diz ter sérias dúvidas sobre as mudanças climáticas.

Em comum, a maioria dos eleitores de Trump na cidade tem uma forte esperança. E o novo presidente será cobrado em todas as promessas, até as mais controversas.

? Eu quero que ele faça o que prometeu: no primeiro dia na Casa Branca, prenda a trapaceira Hillary ? disse Wendy Stump, outra moradora de Petersburg. ? Muitos dizem que ele é um idiota, mas idiotas não ficam bilionários.

Este tipo de fé do eleitorado de Trump, que ajudou no surpreendente êxito nas urnas, pode ser uma das principais armadilhas para o magnata na Casa Branca. Desde o discurso da vitória, ele adotou um tom mais conciliador, chegando a elogiar Hillary e agradecer ?a honra de conversar? com Barack Obama, de quem ?quer alguns conselhos?. Se isso acalmou um pouco o mercado financeiro, gerou desconfiança entre seus apoiadores. Trump precisará da boa vontade de pessoas como Hyre Robert, de 67 anos, que ganha a vida como autônomo na construção civil. Ele diz que Washington é um covil e que vão tentar cooptar o bilionário:

? Trump precisa dos políticos, não pode tentar fazer tudo sozinho. E os políticos vão tentar se aproveitar dele. Mas Trump é esperto, um bom negociador, e conseguirá fazer o que prometeu.

?OS PROTESTOS SÃO MOTIVADOS PELA IMPRENSA?

Robert sonha que, em 2020, os EUA estarão livres do Obamacare, terão muito mais empregos, e os produtos comprados por eles voltarão a ser feitos no país, não mais na China. E as críticas contra Trump, acusado de ser xenófobo, machista, demagogo, sonegador, misógino, populista, inapto e inexperiente, parecem não colar para a população local.

? Vejo que os protestos são motivados pela imprensa, que só destacou algumas palavras erradas que ele disse. A mídia apenas reforçou seu lado negativo e assustador, e não mostrou a realidade ? conclui a aposentada Joyce Kaplingir, de 69 anos, cuja varanda de casa era adornada pela bandeira americana e pela placa com o slogan de Trump: ?Make America Great Again?, ?Faça os EUA grandes de novo?.