Cotidiano

Pegadas de 3,7 milhões jogam luz sobre a sexualidade de ancestrais humanos

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RIO ? Em 1978, pesquisadores encontraram as mais antigas pegadas de hominídios, datadas de 3,66 milhões de anos atrás, no parque arqueológico de Laetoli, na Tanzânia. Agora, um novo conjunto de marcas atribuídas a Australopithecus afarensis, ou apenas australopitecos, foram descobertas. Para os pesquisadores envolvidos no estudo publicado nesta quarta-feira no periódico eLife, o achado traz novas pistas sobre a sexualidade da espécie que está entre os mais antigos ancestrais humanos conhecidos.

Às 70 pegadas descobertas pela paleontologista Mary Leakey em 1978, foram adicionadas outras 14. Juntas, elas fornecem evidência crucial de que a linhagem humana se tornou bípede no passado remoto. Aparentemente, as novas marcas pertencem a dois indivíduos australopitecos, conhecidos popularmente pelo fóssil batizado como ?Lucy?.

? Quando eu estive em Laetoli, eu não podia acreditar ? disse Marco Cherin, paleoantropólogo da Universidade de Perúgia, na Itália, e coautor do estudo, em entrevista à ?National Geographic?. ? Os fósseis são completamente diferentes do ponto de vista emocional. Você vê as marcas da passagem de alguém. Você pode ler o comportamento.

A descoberta foi comemorada pela comunidade científica, por trazes novas informações sobre os australopitecos.

? Eu estou muito excitada pela descoberta de mais pegadas em Laetoli ? disse Briana Pobiner, do Instituto Smithsonian, não envolvida na pesquisa. ? É o sítio com as mais antigas pegadas da história evolucionária humana.

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DIMORFISMO SEXUAL E POLIGAMIA

E o que mais chama atenção da descoberta é que as novas pegadas são de indivíduos de tamanhos diferentes, provavelmente um macho e uma fêmea, o que sugere o dimorfismo sexual, quando os indivíduos masculinos e femininos possuem características físicas não sexuais marcantes. Pelos cálculos dos pesquisadores, o indivíduo maior pesava 48 quilos e media 1,65 metro de altura, maior que qualquer registro fóssil da espécie. Por esse motivo, ele foi apelidado de ?Chewie?, em referência ao personagem Chewbacca, de ?Star Wars?.

Além disso, os autores perceberam que as novas pegadas estão na mesma camada e com a mesma orientação que as marcas descobertas em 1978, sugerindo que os dois registros pertenceriam ao mesmo grupo, viajando juntos. Segundo Cherin, as novas marcas e as antigas foram deixadas com poucas horas de diferença. E com essa informação, os pesquisadores levantaram uma hipótese controversa: os australopitecos seriam poligâmicos.

Com base nas dimensões das pegadas, os cientistas inferiram que o grupo era formado por um adulto macho, além de duas ou três fêmeas adultas e dois ou três filhotes. O grupo seria, então, formado por várias fêmeas que dividem um macho, como os atuais gorilas e outros primatas modernos.

? Nós estamos distantes da representação tradicional dos anos 1970, com um casal de australopitecos, caminhando romanticamente de braços dados ? disse Giorgio Manzi, da Universidade Sapienza, em Roma, e coautor do estudo. ? Essa velha representação provavelmente está errada.

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TESE É CONTESTADA

Mas nem toda a comunidade científica aceita esta tese. William Harcourt-Smith, do Museu Americano de História Natural, ressalta ser extremamente difícil distinguir entre fêmeas adultas e jovens crescidos apenas pelas pegadas, especialmente quando se trabalha com apenas cinco indivíduos.

? Vamos apenas pensar como os humanos modernos e distinguir as pegadas de um garoto grande de 13 anos e uma mulher de 21 anos ? disse Harcourt-Smith. Nós realmente podemos fazer isso?

Owen Lovejoy, da Universidade Kent State e membro da equipe original que reconstruiu a anatomia de Lucy, destaca ainda ser impossível garantir que os dois conjuntos de pegadas pertencem ao mesmo grupo social.

? A variação de tamanho que eles reportam não têm nenhuma influência no dimorfismo sexual, já que não sabemos a idade de quem deixou as marcas ? disse Lovejoy. ? A sugestão de que, de alguma forma, essas cinco impressões sugerem uma estratégia sexual como a dos gorilas é loucura.