Cotidiano

Paulo Miklos estreia no teatro como Chet Baker

INFOCHPDPICT000061853116RIO – O sentimento era o mesmo: saltar no desconhecido. Quando foi convidado para viver Chet Baker (1929-1988) no palco, e assim atuar no teatro pela primeira vez, Paulo Miklos voltou 15 anos em sua memória e se viu no set de filmagem de ?O invasor?, de Beto Brant, diante do seu primeiro trabalho como ator.

? Quando topei fazer a peça, no ano passado, veio aquela mesma sensação de estar se jogando no desconhecido, sem saber muito bem o que fazer, mas sabendo que precisava fazer ? conta. ? De ?O invasor? para cá, acumulei uma bagagem no audiovisual, mas agora é diferente, e tem sido uma experiência radical de descobertas.

O convite para o début teatral foi feito pelo diretor José Roberto Jardim e pelo produtor Fabio Santana, o idealizador de ?Chet ? Apenas um sopro?, que estreou em janeiro em São Paulo e aterrissa no CCBB do Rio na próxima quinta-feira, com texto original de Sérgio Roveri.

? O texto é primoroso, tenho muito prazer em fazê-lo ? diz Miklos. ? Assim que li, topei.

Logo antes do início dos ensaios para viver Chet em cena, ele conta que acabara de rodar um curta-metragem, ?Dá licença de contar?, em que interpretava outro ícone da música, mas do Brasil, o sambista Adoniran Barbosa (1910-1982). A relação entre música e atuação, portanto, já estava feita, mas faltava o teatro.

? Fiz minha carreira em cima do palco, mas atuando como um músico e um intérprete ? diz ele, referindo-se aos Titãs, banda que integrou por 35 anos até a sua saída, anunciada em julho. ? Agora é um jeito novo de estar no palco, de atuar. O teatro é bem diferente do cinema ou da TV. Sempre me considerei um intérprete integral, então vejo que o teatro e essa peça juntam tudo. E o fato de o personagem ser um músico potencializa isso.

?Chet? se desvia do viés biográfico e aposta na força de um momento específico da trajetória do trompetista americano. Entre 1966 e 1969, a sua carreira estava em suspenso, e o artista, de molho, tentava se recuperar de um episódio de agressão após um show em Sausalito, na Califórnia ? Chet foi cercado por alguns homens (num possível acerto de contas por compra de drogas) que arrebentaram seus dentes e lábios, destruindo a sua embocadura e o impossibilitando de tocar.

? Machucaram no ponto mais sensível, e ele ficou quase dois anos parado ? diz Miklos.

Com seu principal instrumento de trabalho avariado, Chet mergulhou num período de sombras, longe do palco e dos estúdios de gravação. O texto de Roveri, portanto, aposta na tensão de um trompete calado: o instrumento e o gênio cara a cara, perguntando-se se podem ou não voltar aos melhores dias.

? A peça flagra esse instante em que não se sabe se Chet conseguiria voltar a tocar ? diz Miklos. ? A pressão e as expectativas eram muito grandes, porque ele já era um artista de sucesso. Interpreto o músico quando ele está prestes a voltar à ativa.

ENTRE TENSÕES INTERNAS E PRESSÕES EXTERNAS

A peça é ambientada num estúdio de gravação, onde Chet e alguns músicos se encontram para imaginar o repertório de um novo álbum. E é justamente esse lugar que potencializa as tensões internas do trompetista e as pressões externas dos empresários e fãs, que aguardam as recompensas, financeiras e emocionais, que o seu retorno despertaria. No palco, ao lado de Miklos, estão a cantora e atriz Anna Toledo e os músicos Jonathas Joba, Piero Damiani e Ladislau Kardos. Entre uma canção e outra, executadas ao vivo, há a fragilidade de Chet, a insegurança em relação ao futuro, a discussão sobre o impacto negativo do abuso das drogas e a dinâmica entre seus anseios artísticos e as expectativas do mercado.

? A peça abre uma série de importantes discussões sobre dependência química e alcoolismo, sobre como isso piora, às vezes, quando o dependente é um artista. Existem as pessoas que não falam francamente, que passam a mão na cabeça… Tem tudo isso e a expectativa de saber se ele vai conseguir tocar ou não.

Miklos não revela se a plateia vai ou não ouvi-lo soprar o trompete de Chet, a quem reconhece não apenas como um ícone do jazz, mas um precursor e um símbolo de tudo que possa representar o sentido de cool.

? Ele dominava a relação entre som e imagem ? conta. ? Na música, tinha essa capacidade de mudar um ambiente de um instante para o outro. O modo de colocar a voz e o jeito de tocar eram um contraponto ao que se fazia na época, tanto em relação ao vozeirão dos grandes cantores quanto aos instrumentistas ágeis do jazz e do bebop. Chet adotou o ?menos é mais? como estética, e isso foi um impacto enorme na época, cujo reflexo chegou ao Brasil. É só pensarmos na bossa nova. Ele, assim como o pessoal da bossa nova, vinha de um lugar solar, a Califórnia, mas com o gosto do jazz, da noite, o lirismo.