Cotidiano

Paternalismo cultural

Apesar dos inúmeros e abrangentes problemas com os quais o novo governo vem se defrontando, a começar pelo descalabro que tomou conta de setores prioritários, como segurança, educação e saúde, passando pelo desequilíbrio assustador das contas públicas, para não falar do desemprego crescente e da paralisia econômica, um assunto até certo ponto menor tomou conta das manchetes recentemente: a incorporação do Ministério da Cultura ao Ministério da Educação.

Demonstrando enorme falta de sensibilidade social e valendo-se de sua visibilidade midiática natural, boa parte do meio artístico protestou de forma veemente contra aquela medida, fazendo com que o governo voltasse atrás de uma decisão oportuna e correta. Tais movimentos, não raro, reverberaram a falsa premissa de que o fomento à produção artística nacional seria uma política prioritária, quando não imprescindível, para a sociedade.

Trata-se de argumento oportunista e absolutamente afastado da realidade. Sim, cultura é importante, mas uma sociedade pobre e cheia de problemas tem inúmeras prioridades antes de começar a pensar em incentivá-la com dinheiro público. Mas esse não é o único problema. Na verdade, o subsídio cultural acaba impondo aos cidadãos dois tipos distintos de dano: um de caráter financeiro, e outro de cunho moral.

Os prejuízos financeiros derivam do fato de que, ao contrário dos patrocinadores privados, os quais estarão atentos, entre outros aspectos, à viabilidade econômico-financeira de qualquer investimento, os governos frequentemente estarão de olho apenas no ganho político. Ao desconsiderar o retorno econômico de um projeto objeto de financiamento direto, ou promovendo renúncia fiscal a fundo perdido (modelo predominante da Lei Rouanet), o governo está dilapidando recursos que não lhe pertencem, e consequentemente aumentando o ônus tributário ? presente e futuro ? dos pagadores de impostos. Tudo isso em prol de investimentos cujo retorno social é bastante duvidoso.

Já o dano moral é um pouco mais sutil e, por isso, difícil de ser percebido. Quando o Estado coloca dinheiro público numa obra qualquer, uma ínfima, porém significativa, parcela daquele recurso pertence a cada um dos contribuintes. Isto quer dizer que, independentemente da minha vontade, dos meus valores, dos meus princípios morais, políticos e religiosos, meu dinheiro pode estar sendo usado para financiar espetáculos com os quais não tenho a menor afinidade ou, pior, dos quais discorde frontalmente.

Outra mazela importante do financiamento público à cultura, como de resto a qualquer outra atividade produtiva, é a partidarização dos beneficiários. Em tese, os recursos de fomento deveriam ser distribuídos de forma democrática, mas, como eles são escassos, o mecenas estatal, agindo pelas mãos de alguns ?especialistas? estrategicamente instalados em pontos chave da cadeia burocrática, irá inevitavelmente escolher, entre os inúmeros postulantes, aqueles politicamente alinhados com o governo, além dos que se mostrarem mais eficientes na arte da adulação. É claro que a maioria tenderá a apoiar o partido da hora.

Não há razão para que atividades artísticas ? como ademais qualquer outra atividade empresarial ? não devam sobreviver às suas próprias expensas. Um filme, uma peça, um concerto, um circo ou uma ópera darão retorno quando forem de boa qualidade, bem divulgados e vendidos a preço justo. No Brasil, infelizmente, criou-se o hábito do paternalismo cultural, em que os eventuais lucros de um espetáculo são dos produtores, mas os prejuízos são de todos. Não por acaso, Millôr Fernandes costumava dizer, com seu habitual sarcasmo, que o cinema brasileiro quando dá lucro é indústria, quando dá prejuízo é arte.

João Luiz Mauad é administrador e diretor do Instituto Liberal