Esportes

Para que serve um herói olímpico como Phelps?

Pela 21ª vez em Olimpíadas, Michael Phelps chegou à frente de todos os rivais. Ganhou com tamanha facilidade ? e aparentemente fará de novo ? que me perguntei sozinho:

phelps em 10 de agosto

“Que tipo de herói é um cara que não faz nada na vida além de nadar em linhas retas e com pressa?”

Cabeças arrogantes elaboram esse desprezo com mais frequência do que eu, que até vivo de esporte, de certa forma. Enunciados como “ópio do povo” e “desperdício de dinheiro” ficam expostos nessas conversas como carnes num açougue, à espera do pouso das moscas da retórica.

Aí você vê a Rafaela Silva. Um ouro que gera outras reações: torna-se a vitória de um monte de gente que só a conheceu há três dias ? mas normal, rede social é isso mesmo: somos todos Didis à procura de Dedés que façam nossos esquetes brilharem.

Mas aí a repórter Elenilce Bottari vai lá na Cidade de Deus de Rafaela, e as crianças falam de Olimpíada, da Rafaela, de quererem para si aquele brilho, sem nem saber qual modalidade praticar. Naquele festival de lacunas da civilização, abriram os olhos para o judô, para a ginástica e até para tiros diferentes. Ali, muitos precisam duma Rafaela.

Phelps, colecionador de medalhas

É aí que volto a Phelps. Em algum lugar do mundo, alguém precisou de Phelps para dar rumo à própria vida. O próprio Phelps teve que catar seus cacos dentro da piscina e se reencontrar; retomou a ascendente, venceu a depressão e se achou em família. Nadar em linha reta com pressa salvou sua vida e inspirou outros, como Caeleb Dressel, seu pupilo de ouro no 4x200m livre.

O cara decide superar a si mesmo. E consegue. Uns farão isso em nível olímpico. Outros, inspirados por eles, escolherão algum exercício e ganharão mais alguns anos de vida saudável. E diversão

Sim, os heróis do esporte não vão salvar o mundo. Mas tampouco o pioram. São eles que inspiram as pessoas e nos lembram que a inteligência corporal também é uma inteligência bonita: dedicar-se a ela com metas de superação também contribui para resolver o problema da imperfeição humana, o deficit de concentração, ou, muito mais comum, a vida sem objetivos.

Pense: o cara decide superar a si mesmo. E consegue. Uns farão isso em nível olímpico. Outros, inspirados por eles, escolherão algum exercício e ganharão mais alguns anos de vida saudável. E diversão. E autoestima. E muitos começam vendo alguém que busca (e gosta de) ser uma versão melhorada de si mesmo.

Mesmo que seja um cara que nada em vaivéns apressados e rouba, a cada quatro anos, a cena dos ?verdadeiros heróis”, raros de aparecer. Ao menos com os olímpicos sabemos quando e onde podemos contar.

* Editor de Esportes de O GLOBO