Cotidiano

Palocci negociou propina de Belo Monte para PT e PMDB, diz delator

SÃO PAULO. Suspeito de ter movimentado R$ 128 milhões em propinas da Odebrecht, o ex-ministro Antonio Palocci foi apontado por Otávio Azevedo, ex-presidente da holding Andrade Gutierrez, como o responsável pela negociação da propina nas obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, para o PT e também para o PMDB. Em depoimento de delação, Azevedo disse que Palocci pediu 1% do valor da obra a ser dividido entre os dois partidos e indicou que as quantias deveriam ser pagas a João Vaccari Neto, do PT, e Edison Lobão, do PMDB, então Ministro de Minas e Energia. O pedido teria sido feito durante um encontro num apartamento na Asa Norte de Brasília, a convite do ex-ministro, logo depois de ser comunicado pela então ministra da Casa Civil, Erenice Guerra, que a proposta técnica da empresa havia sido escolhida para tocar as obras da usina e que a Andrade Gutierrez seria a líder do consórcio, com participação de 18%.

Azevedo afirmou que Palocci lhe disse que o governo pretendia consolidar o consórcio tal qual Erenice havia comunicado, com a Andrade na liderança das obras, mas, para isso, “seria importante que houvesse a contribuição financeira para apoio político” ao PT e PMDB. Num segundo encontro, no escritório de Palocci em São Paulo, o ex-ministro teria indicado os nomes de Vaccari e Lobão. No depoimento, realizado em agosto passado, na sede da Polícia Federal em Brasília, Azevedo disse ainda que orientou Flávio Barra, diretor de energia da empresa, a fazer os pagamentos.

Flávio Barra já havia sido ouvido em junho na sede da PF em Porto Alegre (RS). Segundo ele, a maior parte do dinheiro foi paga por meio de doações eleitorais. Barra contou que Edison Lobão indicou o filho, Márcio Lobão, como o contato para receber dinheiro destinado ao PMDB. Como nenhum dos representantes do consórcio conhecia Márcio Lobão, o executivo promoveu reuniões individuais, de meia em meia hora, no prédio da Andrade Gutierrez no Rio de Janeiro, para apresentá-lo. Barra disse ainda que chegou a entregar a Márcio Lobão, a pedido de Edison Lobão, R$ 600 mil em dinheiro. Os dois teriam combinado por Whatsapp e o executivo levou a quantia até o apartamento de Márcio, na Avenida Atlântica, no Rio.

Autoridades suíças confirmaram a existência de contas da família Lobão no país. Os investigadores encaminharam pedido de cooperação internacional para receber as informações bancárias.

Outro delator das propinas de Belo Monte, Luis Carlos Martins, diretor da Camargo Corrêa, que também integrou o consórcio, ouvido em junho passado em Curitiba, disse que repassou R$ 2 milhões a Lobão por meio de falsos contratos de consultoria e de “doações eleitorais” ao PMDB. Martins afirmou ainda que o valor destinado pela empresa ao PMDB foi pago por meio de contratos falsos de consultoria com a empresa AP Energy – um de R$ 1,222 milhão e outro de R$ 1,268 milhão. Outro executivo da empresa, Dalton Avancini, teria ficado responsável por providenciar os pagamentos ao PT.

A AP Energy fica em Santana do Parnaíba num endereço já conhecido pela Lava-Jato por abrigar outras empresas de fachada descobertas pelo esquema de fraudes na Petrobras. O escritório só tem uma mesa e uma recepcionista para receber correspondência. Uma das empresas que usaram o endereço foi a JSM Engenharia e Terraplanagem, de Adir Assad, condenado na Lava-Jato.

Segundo relatório feito pela Polícia Federal, nas eleições de 2010, 2012 e 2014, as empresas que fizeram parte do consórcio construtor de Belo Monte doaram R$ 159 milhões a candidatos do PMDB por meio de seus diretórios e comitês financeiros. Em sua colaboração, o ex-senador Delcídio Amaral afirmou que a propina de Belo Monte teria como destino os principais caciques do PMDB no Senado: Renan Calheiros, Romero Jucá, Jader Barbalho e Valdir Raupp.

Berço político de Romero Jucá, Roraima foi o diretório estadual do partido que mais recebeu recursos nas três eleições analisadas: R$ 3,7 milhões. Alagoas foi o terceiro maior destino, com R$ 2,4 milhões: o estado é lar do presidente do Senado, Renan Calheiros, e governado pelo filho do senador, Renan Filho. O diretório estadual do Pará, representado no Senado por Jader Barbalho, recebeu R$ 1 milhão e o de Rondônia, ligado ao senador Valdir Raupp, recebeu R$ 500 mil. Os valores doados ao PT não foram relacionados pela PF.

A Andrade Gutierrez perdeu o leilão da Usina Belo Monte, mas recebeu a maior cota do Consórcio Construtor de Belo Monte, que foi o responsável pelas obras. Formado por empresas de menor porte, o consórcio vencedor do leilão foi articulado às pressas pelo governo após a desistência da Odebrecht e Camargo Correa. Meses depois, o governo optou pela proposta técnica apresentada pela Andrade e também incluiu Odebrecht e Camargo no consórcio construtor. Derrotadas no leilão, Andrade, Odebrecht e Camargo Correa dividiram 50% do consórcio construtor e a outra metade foi dividida entre as sete empresas que venceram o leilão.

O advogado de Palocci, José Roberto Batochio, disse que vai pedir ao Supremo Tribunal Federal que a delação de Otávio Azevedo seja anulada.

– É uma história absolutamente falsa, uma versão para sair da cadeia. Ele não tem como provar que Palocci participou desta negociação. Para sair da cadeia, delatam até o papa Francisco. Transformaram o Brasil numa Delatópolis, numa Delatolândia, onde fazem barganhas e incriminam em troca de liberdade. Palocci nunca tratou de Belo Monte nem de propina com quem quer que seja. Azevedo procurou Palocci, que era deputado federal, e ele simplesmente lhe disse que não tinha como ajudar – disse Batochio.

Batochio lembrou que Azevedo, em depoimento ao juiz Sérgio Moro, afirmou também que Ricardo Berzoini, do PT, havia pedido 1% de propina em todos os contratos da Andrade Gutierrez com o governo.

Advogado do senador Edison Lobão, Antônio Carlos de Almeida Castro, o “Kakay”, afirmou que o senador desconhece as empresas apontadas e nunca teve relações com elas. “A palavra dos delatores, mesmo os que usam de relações pessoais para apresentar um linha de ‘acusação/defesa’ devem ter o natural carimbo da desconfiança, até pelo apelo de falta de compromisso com a verdade, só com a verdade que serve a defesa, que é próprio do caráter do delator”, afirmou Kakay.