Cotidiano

OSB cancela fim da temporada e se vê com déficit de R$ 15,5 milhões

2015 848866554-2015 847524496-osb_villalobos_15.jpg_20150908.jpg_20150913.jpgRIO ? Homem de palavras sóbrias e calculadas, o presidente da Fundação Orquestra Sinfônica Brasileira, Eleazar de Carvalho Filho, não costuma dar longas entrevistas. A dimensão da crise que a orquestra enfrenta, porém, fez com que ele passasse duas horas conversando por telefone com O GLOBO, anteontem. Com um rombo de R$ 15,5 milhões e uma captação de recursos muito abaixo do esperado, a OSB anuncia que cancelou o restante de sua temporada deste ano, num total de 12 concertos de suas séries de assinatura. Em junho, já haviam sido abortadas 11 apresentações das séries Concertos da Juventude e OSB na Sala Cecília Meireles. A nova decisão põe em xeque o próprio futuro da orquestra, embora Eleazar evite o pessimismo e afirme que os músicos continuarão a trabalhar. Links OSB

A OSB está falida?

Não, essa não é a palavra adequada. A OSB está com uma dificuldade financeira séria em função da redução dramática de recursos disponíveis para este ano. Portanto, está chamando a sociedade para ajudar. Não vislumbramos novos recursos entrando até o fim do ano. Precisamos levar à sociedade, de uma forma contundente, a situação que estamos enfrentando e propor uma reflexão: se a cidade, ou mesmo o país, deseja manter um conjunto deste nível e com essa história.

Que ajuda a OSB espera da sociedade?

Primeiro, é preciso registrar que se trata de um conjunto permanente, e, mesmo sendo uma fundação privada, é um bem público que existe ininterruptamente desde 1940. Os 93 músicos que hoje fazem parte do conjunto orquestral têm atividades nas salas de concerto e projetos educacionais. Não existe uma grande cidade do mundo sem uma grande orquestra. E as orquestras são instituições caras por natureza. Precisam ter músicos de alta qualidade e uma temporada que atraia público. Bilheteria é uma parte muito pequena (da receita), até porque fazemos vários concertos a preços módicos. Dependemos de apoios de pessoas físicas e jurídicas, de mantenedores e do governo. A orquestra precisa de novas fontes estáveis de patrocínio, de um endowment (um fundo permanente cujos rendimentos financiam atividades da instituição que o mantém) e precisa chamar atenção da sociedade civil e do governo para suas necessidades. Temos mecanismos para viabilizar a participação de quem quiser ajudar. Já tivemos apoio da sociedade civil num montante muito maior que o deste ano. A crise afetou as empresas e sua capacidade de investir recursos pela Lei Rouanet. Este ano, dos R$ 15,5 milhões que captamos, R$ 3,6 milhões vieram pela Rouanet. No passado, já conseguimos por meio dessa lei mais de 60% do nosso orçamento.

Qual o custo da temporada deste ano para a orquestra? É o mesmo de anos anteriores?

Já tivemos um orçamento de R$ 43 milhões por ano. Parece muito, mas o da Osesp é de mais de R$ 90 milhões. Esses R$ 43 milhões viraram cerca de R$ 35 milhões no ano passado e R$ 26 milhões este ano. Essa era a nossa meta, para fazermos esta temporada. O fato é que só conseguimos R$ 15,5 milhões e não vemos, hoje, possibilidade de obtermos recursos suficientes para mantermos a temporada em curso.

A crise econômica do país não foi levada em conta no planejamento da temporada?

Sim, foi, por isso o orçamento deste ano foi reduzido. Não haveria como reduzi-lo muito mais. Só os custos fixos da instituição somam R$ 22 milhões. É o que pagamos de salários, de planos de saúde. Temos 130 funcionários, entre músicos e pessoal administrativo. São todos celetistas. É um custo fixo elevado. A esse valor agregam-se gastos de logística necessários para as apresentações, como aluguel de partituras, locomoção etc. E a redução dos recursos foi muito maior do que poderíamos supor.

A orquestra está paralisando suas atividades a partir de já?

A OSB está cancelando o restante da temporada, mas não está paralisando atividades. Os músicos devem continuar os ensaios. Eles não podem ficar em casa, sem trabalhar. Então vamos buscar atividades… ensaios abertos… tudo aquilo que possa ter um custo baixo, que permita a presença de público e que ajude na nossa captação. Os músicos estão inteirados do assunto e querem ajudar. Para eles, não é a preservação só de um emprego, mas de uma escolha profissional.

Não há o risco de uma debandada de músicos?

Há sempre músicos saindo da orquestra para morar em outras cidades, e músicos que são atraídos para a orquestra vindos de outros lugares. Para atraí-los, é preciso ter salários competitivos, e nós os temos. Mas é óbvio que, se a orquestra não encontrar um caminho que garanta sua sustentabilidade, deixa-se de ter uma instituição desse porte, porque o músico precisa trabalhar.

Mas haverá dinheiro em caixa para pagar esses músicos?

A nossa prioridade é conseguir recursos para pagar os salários, para manter as atividades. Não queremos fazer cortes de músicos.

Se os gastos fixos com pessoal são de R$ 22 milhões e só foram captados até agora R$ 15,5 milhões, como fechar a conta?

Há vias como licenças, redução de salário… Vamos discutir alternativas com os músicos, com o sindicato dos músicos. Ouviremos propostas deles. Hoje, estamos levantando a mão e dizendo: precisamos de ajuda. Os músicos precisam se manter em atividade porque isso viabiliza uma retomada mais rápida. Uma orquestra não se cria da noite para o dia. Não adianta reunir um grupo de ótimos músicos se não tiverem a prática de tocar juntos.

Qual é o déficit acumulado da orquestra?

Abrimos o ano com uma dívida de R$ 5 milhões do ano passado. Somando esse valor ao que está faltando captar para cumprir a meta de R$ 26 milhões para a temporada deste ano, chegamos à cifra de R$ 15,5 milhões.

A redução do patrocínio da prefeitura foi decisiva para esta crise?

Eu prefiro dizer que acho que a prefeitura compreenderá a situação da orquestra e certamente vai se sensibilizar, buscará formas de contribuir.

De quanto é o patrocínio da prefeitura?

Este ano, R$ 2,5 milhões, que ainda serão aportados.

O Ministério Público Federal exigiu que a OSB explicasse gastos passados na ordem de R$ 16 milhões. Isso está resolvido?

Sim. Foram entregues mil anexos que explicaram tudo.

Os assinantes serão ressarcidos pelos concertos cancelados?

Entraremos em contato com todos e discutiremos uma solução para essa dívida que temos com eles. Poderemos creditar o valor ou permitir que seja empregado em outras funções.

É possível ser otimista para 2017? Haverá temporada?

Nós somos otimistas, temos um bom projeto. Por incrível que pareça, passando este ano e preservando o nosso conjunto orquestral, teremos condições de fazer uma boa temporada. Temos criatividade para isso.