Cotidiano

Os paradoxos temerários

OPINIÃO

Por Alceu A. Sperança

O Paradoxo da Indecisão, cunhado por Aristóteles, foi popularizado por Jean Buridan: um asno em vias de morrer de fome e sede se depara com uma tigela de água e um monte de feno. Indeciso entre mitigar a sede ou matar a fome, morre de ambas sem fazer a escolha salvadora.

O Paradoxo de Temer não é ser o presidente que mais avançou nas reformas que dizem ser inadiáveis e ao mesmo tempo ser tão impopular. Nem o MDB ser tão (ou mais) alvejado pelas denúncias de corrupção quanto o PT e receber o benefício do impeachment a seu favor.

Paradoxal foi a absolvição da chapa Dilma-Temer apesar da comprovada origem criminosa do financiamento da campanha. Temer cometeu os mesmos delitos que Dilma, inclusive o estelionato da vaca tossindo ao governar. Muito mais denunciado que ela, faz déficits que ela jamais seria autorizada, mas está firme no trono.

Sucesso econômico sempre rende votos. Presidente que tira país da recessão tem naturalmente caminho aberto à reeleição. Mas Temer, não. Amarga impopularidade ainda pior que a de Dilma. Sonhos de toda uma nação, inflação controlada e juros oficialmente em baixa sempre rendem popularidade ao presidente que comanda esses processos. Menos para Temer.

Não chegou a ser um paradoxo defender a Reforma da Previdência só no discurso. Sabia que mexer realmente nela minguaria os votos de seus amigos na urna. Mesmo salvo pela conjuntura externa favorável, o PT começou a decair depois da traiçoeira reforma previdenciária de Lula.

Nem é paradoxal priorizar a reforma tributária e abandoná-la, já que pretendia tributar mais. Assim evita atrapalhar a eleição dos candidatos do Centrão e mantém o Congresso como está, Logo, o próximo presidente, como os anteriores, comerá na mão do mesmo grupo que herdou o Brasil desde a grande vitória eleitoral de 1974.

Paradoxal foi a Constituição híbrida em 1988, mesclando o presidencialismo absolutista do imperador com o parlamentarismo de coalizão e contrapesos na esfera judicial completando o arranjo. Uma Carta ao mesmo tempo liberal e social, paradoxo posto abaixo agora pelo golpe civil dos cavaleiros do apocalipse temerário que a rasgam com fúria.

A reforma tributária priorizada não saiu. O governo cortou até o osso e os recursos faltam para tudo, da infraestrutura ao cumprimento das obrigações constitucionais. Os aposentados foram escolhidos para pagar a conta, mas eles são muitos e votam. E têm parentes que os amam e votam de acordo com seus humores.

Por isso as duas reformas ficaram para depois da eleição, quando alguém será enfim escolhido para pagar a conta. Quem perderá, desta vez? Como a plutocracia manda e se safa e os trabalhadores já estão exauridos, quem a pagará, paradoxalmente, será a exultante classe média do patinho amarelo e da panela barulhenta?

O Centrão, que não é bobo, resolveu o Paradoxo do Burro de Buridan à sua feição: de uma só bocada matará a sede bebendo maioria nas duas bacias do Congresso e, via coalizão, seguirá repartindo com o presidente eleito o saboroso “feno” do poder.

Alceu A. Sperança é escritor – [email protected]