Agronegócio

Os desafios no campo para manter a saúde da terra e a produção

Núcleo da região figura em quarto lugar em número de denúncias de mau uso de terras

Toledo – Neste domingo, o Dia da Conservação de Solo serve para um alerta, sobretudo em uma região essencialmente agrícola, com mais de 1 milhão de hectares agricultáveis e que produz mais de 7 milhões de toneladas por ano em grãos.

Para as autoridades em sanidade vegetal, o caminho mais seguro é o da conscientização.

O uso da terra com a produção apenas pela produção, por aqui geralmente calcado no binômio soja e milho, sem rotação de culturas, representa ameaça de lavouras inteiras em um futuro não muito distante, podendo até levar a um processo de desertificação de áreas.

Mesmo com um solo tão rico, fértil e consequentemente produtivo, basta um descuido para que isso ocorra e a luz de alerta já está acesa: “Uma área degradada, sem os devidos cuidados, não produz”, reconhece o engenheiro agrônomo José Augusto de Souza.

Como ex-secretário de Agricultura por diversos anos em Toledo, ele conhece bem os problemas enfrentados por alguns produtores. Aliás, a regional ali é a que figura em quarto lugar em um ranking paranaense nada positivo. Segundo dados da Adapar (Agência de Defesa Agropecuária do Paraná) a partir da Gerência de Sanidade Vegetal, no Programa de Fiscalização do Uso do Solo Agrícola, são 25 processos em tramitação na regional, 11 deles já foram julgados e já resultaram em aplicação de multas no valor global de R$ 57.811.

O que tem provocado danos ao solo na região

Para José Augusto de Souza, um dos exemplos clássicos que provocam a degradação do solo pode ser encontrado com certa facilidade em algumas propriedades de médio e grande porte. “Com a evolução e o aumento físico das máquinas e implementos agrícolas, para levar seus equipamentos para o campo muitos produtores rebaixaram os sistemas de conservação de solo [curvas de nível, por exemplo]. Isso se verifica com mais intensidade em propriedades de médio e grande portes, onde os produtores investiram em máquinas e, para facilitar o desempenho delas e de seus softwares, as adequaram. Isso vem casado com chuva em excesso nos últimos dois anos, que foram bem acima da média, intensificando a erosão”, reforçou.

José Augusto lembra que outro problema recorrente é a falta de uma rotação de cultura adequada, mantendo a opção soja-milho. “Isso também auxilia nessa depauperação do solo. O cultivo sistemático com lavouras únicas traz problemas à conservação. Neste caso, é importante implantar outra cultura, como aveia, trigo ou outra forrageira, justamente para preservar a qualidade e ganhar mais produtividade nos ciclos seguintes”, reforça.

Segundo o agrônomo, a palhada do milho se decompõe com mais rapidez do que as forrageiras deixando o solo mais vulnerável em período como os meses de julho e agosto quando, além do frio, venta muito. “E a palhada não tem boa eficiência nutritiva para o solo. A aveia traz uma excelente proteção com diminuição intensa do volume de pragas e ervas daninhas nas safras seguintes”, explica o agrônomo ao destacar que essa rotação deveria ser feita a cada três ou quatro anos. “Produtores de ponta e conscientes fazem rotação com aveia, melhora o desempenho em todos os sentidos e se gasta menos com o controle das pragas”, completa.

Paraná tem 403 processos pelo mau uso de terra

Segundo o coordenador do Programa de Fiscalização do Uso do Solo Agrícola, o engenheiro agrônomo Luiz Renato Barbosa, o objetivo não é a aplicação de multas nem a punição por si só quando se observa áreas degradadas. O funcionamento do programa ocorre como um elo em uma importante cadeia voltada à fiscalização. “O foco é atender as demandas da sociedade quanto ao mau uso de solo. Existem técnicos específicos para fazer o levantamento de toda a propriedade e os casos que chegam até nós ou são por denúncia ou são verificados pelos próprios fiscais”, destacou.

Em um ano e meio, o programa já recebeu 2.730 denúncias de mau uso do solo agrícola no Paraná. Essa contagem começou a ser feita no fim de 2016. Antes, como as queixas poderiam ser feitas só pela internet ou pelo telefone, agora recebem uma nova característica. “São aceitas apenas denúncias com o denunciante indo a um escritório da Adapar. Muitas vezes, as denúncias de mau uso do solo chegavam pelo site ou por telefone e o fiscal nem sequer conseguia identificar ou chegar à propriedade. Isso serve para evitar também as falsas declarações originadas entre briga entre vizinhos, por exemplo”, considerou.

Na Adapar o denunciante preenche um formulário onde se identifica se o processo deve ser acompanhado pela Adapar ou se deve seguir para outro setor, como o IAP (Instituto Ambiental do Paraná), no caso de danos ambientais. Mesmo pedindo a presença física do denunciante, quem optar pelo sigilo no processo assim o terá.

Das 2.730 denúncias recebidas em um ano e meio, foi possível identificar que cerca de 30% se referem a falsas denúncias ou de não competência da Adapar, mesmo assim, há ainda quase 2 mil procedentes das quais 403 já resultaram em processos administrativos, ou seja, foram esgotadas as possibilidades de resolução e o processo caminha agora para a aplicação de multas que juntas já somam R$ 1,9 milhão.

Passo a passo

Mas antes de aplicar as multas, lembra o coordenador do programa, Luiz Renato Barbosa, há um longo caminho de conscientização. Assim que os fiscais da Adapar detectam o problema, ocorre uma notificação ao infrator, que possui 30 dias para realizar e apresentar um plano de contingência. Se esse prazo não for cumprido, o processo segue administrativamente, no qual as multas, por hectare degradado, variam de cinco a 17 unidades paranaenses de valor. Cada unidade está cotada em cerca de R$ 93. “O objetivo não é multar. O que se espera é conscientização, que a área seja preservada para esta e para as futuras gerações. Geralmente os extensionistas que acompanham o produtor o alertam e indicam a recuperação”, reforça o coordenador do programa Luiz Renato Barbosa.

As maiores incidências

Dos 403 processos administrativos em tramitação, as regionais que concentram o maior número delas por ordem de processos são: de Umuarama, de Maringá, de Paranavaí, de Toledo, de Londrina e de Campo Mourão. São áreas cultivadas com cana-de-açúcar, mandioca e as culturas anuais como soja e milho. “Volto a reforçar, o produtor só é autuado se esgotada todas as possibilidades de defesa, só recebe uma multa se deixar de cumprir as notificações, com direito a ampla defesa e de apresentar os seus laudos. Geralmente o produtor que é multado é porque deixou o processo correr a revelia (…) na região de Toledo temos observado uma conscientização, geralmente a área identificada passa por um processo de recuperação”, destacou Luiz Renato Barbosa.

Multas

Mas se mesmo com a aplicação da multa o dano não for reparado, aplica-se então uma multa em dobro. Se persistindo, é feita uma nova verificação in loco seguida por novas aplicações de multas.

Além dessas, estão previstas na lei de uso e conservação do solo, de 1984, outras medidas punitivas que vão desde o impedimento de acesso ao crédito rural até o perdimento da área com a desapropriação, apesar de que essa é uma punição nunca aplicada no Paraná.

Parceria com o Ministério Público

Apesar do elevado número de casos registrados do mau uso do solo, o Paraná não tem regiões iminentes de áreas em estado de desertificação. Para casos mais resistentes e de maior ameaça à integridade das áreas, o programa conta com um Termo de Cooperação Técnica com o Ministério Público e situações reincidentes, que afetem os direitos coletivos e de difícil solução são encaminhados à Procuradoria de Meio Ambiente de cada comarca. “Nesses casos, o destaque vai para alguém que está deteriorando uma estrada rural interferindo no direito de ir e vir das pessoas, assim como a degradação de mananciais, são situações que estão passíveis de sofrer uma ação paralela no MP, além do processo administrativo da Adapar”, explica o coordenador do Programa, Luiz Renato Barbosa.

Mas é para justamente não chegar a esse ponto que o trabalho de varredura de áreas degradadas e com erosão ganhou um reforço extra no ano passado. Os produtores tiveram até agosto passado para aderir voluntariamente ao Prosolo (Programa Integrado de Conservação de Solo e Água do Paraná). Em sua essência, ele foi criado para reverter um problema que voltou a ser frequente no Paraná: a erosão. O produtor que não aderiu ao programa está sujeito a multas em eventuais fiscalizações.

Casos em Cascavel

No Núcleo de Regional da Adapar de Cascavel, com cobertura em 28 municípios, estão em andamento, pelo Programa de Fiscalização do Uso do Solo Agrícola, dez processo dos quais quatro já resultaram em multa no valor de R$ 11.779, mas se sabe, por exemplo, que existem outros processos nas mãos dos técnicos e fiscais ainda nos escritórios locais. Essa regra vale para todos os núcleos do Estado.

Para o técnico do Deral (Departamento de Economia Rural) da Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento em Cascavel José Pértille, são poucos os produtores que não se conscientizaram à importante causa da conservação. Um exemplo disso são as poucas áreas deixadas em pousio, principalmente durante o inverno. “O produtor sabe da importância em ter as curvas de nível e fazer rotação de cultura, então muitos que cultivam aveia ou trigo estão focados nisso. Os resultados vêm nas safras seguintes”, considerou.

Uma fazenda que caminha para ser modelo

O produtor Piotre Laginski tem sua propriedade rural entre Cascavel e Catanduvas e não se descuida um dia sequer da terra, literalmente. Para a conservação está desenvolvendo um sistema integrado de lavoura e pecuária que inibe a degradação do solo garantindo boa produtividade e manutenção da área para a sua e as próximas gerações.

Ele sabe, por exemplo, que não é o dono absoluto da terra, tem apenas a sua posse e, pela Constituição Federação, ela é um bem de todos.

A propriedade de Piotre caminha para se transformar em uma propriedade modelo no Brasil. Durante três anos ele fez parte de um programa-piloto do Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento). Há um ano deixou o acompanhamento do Mapa, mas não o sistema que está dando muito certo.

Além das curvas de nível indispensáveis, o sistema de integração lavoura e pecuária não deixa a fazenda, de 318 alqueires, um único dia em pousio. Quando saem as culturas de verão, 70% da área com soja e 30% com milho, entra imediatamente a aveia de verão e em seguida a de inverno. Isso porque chega a hora do gado migrar para as pastagens, mas isso só ocorre quando a altura delas permitir a entrada das mil cabeças sem a compactação do solo.

Esse planejamento do uso de solo tem garantido excelentes condições de conservação, reduzindo expressivamente a necessidade de correção de solo com componentes químicos. “Vamos diminuir os custos com a aquisição de químicos para a recuperação porque a aveia garante uma excelente condição de nutrientes e como a área está sempre ocupada, os componentes estão sempre vivos”, lembra o produtor.

Essa proposta vem sendo adotada há quatro anos e veio de uma necessidade de utilização adequada do solo de alguém que sofria na pele os problemas da erosão e da compactação, sobretudo na área destinada ao gado. “Antes nós tínhamos uma área para a soja e uma para o gado e havia compactação nessa última, foi então que descobrimos esse projeto e aderimos. Fomos uma das quatro propriedades no oeste a se inserir nele”, afirmou.

Entre os resultados práticos está a redução dos gastos com aplicação de fungicidas, já que pragas e ervas daninhas aparecem menos, além do aumento de produtividade de 5% na soja e 10% no milho. “A proposta é sempre estar produzindo, o ano todo, mas com muito critério e com cuidado da terra. O gado só entra na área se o pastejo não estiver muito baixo ou rebaixado, assim não há o impacto e consequentemente a compactação do solo. Tudo isso tem dado muito certo”, finaliza.