Política

OPINIÃO: Uma armadilha de dois séculos

Solucionar o eterno problema da infraestrutura foi a “prioridade” de todos os governos que o Brasil já teve – mas nenhum o resolveu. Já havia sido uma das causas que motivaram os brasileiros à Independência, em 1822: Portugal levava nossas riquezas e os caminhos ficavam ao deus-dará.

A providência ainda tardou, mas veio com a auspiciosa Carta de Lei, em agosto de 1828, anunciando o maravilhoso propósito de interligar as diversas regiões do País. Regulando as competências dos governos imperial, provincial e local quanto à navegação dos rios, abertura de canais, obras de estradas, pontes e aquedutos, o Império já admitia concessões a empreiteiras, sem imaginar quanta corrupção viria daí.

Essa primeira lei sobre a política nacional de infraestrutura era mais ou menos como a atual Constituição: cheia de boas intenções, mas sem a necessária grana para honrar tão elevados objetivos. Era uma legislação tão frágil quanto o imperador Pedro II, então com apenas três anos de idade, representado no governo por um trio de regentes, a coalizão da época. Aos 15 anos, subiu ao trono. E governou mais de meio século sem conseguir escapar à dupla armadilha da infraestrutura e do endividamento.

Quando a Independência fez um século, em 1922, despontava no cenário nacional, como governador paulista, um futuro presidente: Washington Luiz, o mais popular e vitorioso de todos até hoje. Eleito com 99,7% dos votos em 1926, ele passaria à história sob o slogan “governar é construir estradas”. Mas quase 100% dos votos não o impediram de ser derrubado por um golpe militar, em outubro de 1930.

Quase dois séculos se passaram desde a Carta de Lei e as armadilhas da dívida e da infra continuam armadas. O tempo passa, o tempo escoa e quanto maior a produção a escoar, mais visíveis ficam os gargalos.

Já é visível também que o Brasil caiu em outra armadilha: a da renda média, conceito formulado pelo economista William Arthur Lewis. Cai nela o país que inicia a decolagem para o desenvolvimento, até reduz a pobreza e então trava. Ao ocupar a mão de obra em atividades de baixa produtividade, prova que reduzir a pobreza não é tudo.

É ilusão cruel acreditar que tantas armadilhas serão vencidas encarcerando e matando jovens pobres depois de negar aos pais e à infância as condições necessárias para um bom desenvolvimento social e educacional. Ilusão similar é crer que as eleições presidenciais vão desarmá-las.

Os diferentes grupos que julgam ter soluções não podem cair em mais armadilhas: debate sem respeito, ofensas, violência e repressão aos pobres desesperados. O tempo passa, o tempo voa e o Brasil perde tempo à toa: depois da mãe da renda média – a crise da ditadura em 1980 -, o País caiu nas mãos do Centrão, cujo governo mais recente, Dilma-Temer, jogou a nação em mais uma grave crise.

A pior das armadilhas, porém, é esperar de joelhos, em omissa submissão, que apareça alguém, armado ou não, para solucionar problemas seculares que só a ação de um povo livre e organizado poderá resolver.

Alceu A. Sperança é escritor – [email protected]

Já é visível também que o Brasil caiu em outra armadilha: a da renda média