Política

OPINIÃO: O Paraná, trajetória e receita para vencer crises

Lembrar a trajetória de quatro décadas de um dos principais jornais do Estado, com o qual se tem uma ligação profunda, é impossível sem vasculhar o baú das sensações vividas em meio aos colegas mais próximos, com quem já havia trabalhado no antigo Fronteira do Iguaçu. Com eles, mais a turma boa que veio de Maringá junto com as peças do equipamento, travamos uma longa amizade, que varou os anos e ignorou as distâncias.

Antes das impressões pessoais, tantos anos já vencidos, é obrigatório apresentar aos novos leitores (e colegas) o contexto em que o jornal O Paraná surgiu.

O MDB venceu bem as eleições municipais de 1972, com Pedro Muffato. Seguindo a onda nacional, com a ditadura sob ataque geral das forças democráticas, a ampla frente emedebista venceu com sobras as eleições de 1974, mas chegou a 1976 esfacelado em alas antagônicas.

Era a oportunidade para que as alas internas da Arena, o partido governista, somassem forças para abater o inimigo local fragilizado, até porque o MDB de Cascavel era uma espécie de quarta ala, a mais light, da Arena: sua esquerda sumia entre madeireiros que se transformaram em empresários urbanos, sojicultores e criadores de gado. Ex-arenistas fortes, caso do professor Paulo Marques, também migraram para o partido.

Dividido, embora crescendo em todo o País, o MDB tinha certeza de que venceria as eleições com a estrela ascendente do advogado Fidelcino Tolentino. Foi quando surgiu uma parceria empresarial entre o respeitado jornalista Frederico Leopoldo Sefrin Filho, que se projetou na Rádio Colmeia e no Diário do Oeste, além de transformar o hebdomadário Fronteira em jornal diário, e o comerciante e líder político Jacy Miguel Scanagatta, com uma história vitoriosa nos negócios, alavancada pelo boom agrícola e a rápida expansão urbana. O jornal O Paraná surge em 15 de maio de 1976 por uma parceria estratégica dos dois: eleger Jacy para a prefeitura.

No início, compromisso eleitoral

Com equipamento moderno e uma ampla equipe, mesclando profissionais experientes e jovens ousados, a redação tinha a autonomia relativa de toda empresa de comunicação a serviço dos anunciantes e do projeto político dos proprietários. Nos primeiros anos, a função central era atender ao interesse político. Foi assim também com o jornal Fronteira do Iguaçu, que abriu na intenção panfletária de propagar a criação do Estado do Iguaçu, mas esbarrou nas dificuldades próprias das publicações com esse viés.

O Paraná não tinha como esconder que veio às pressas, em maio de 1976, com a finalidade de vencer as eleições municipais desse ano. E venceu. Mas a partir daí viriam dificuldades terríveis: a crise do petróleo de 1973 havia transformado o milagre econômico da tecnocracia brasileira em voo de galinha.

Crises e mais crises

O mundo, na segunda metade da década de 1970, era caótico. Ditadura também na Argentina, a brasileira matando e torturando, a morte dos ex-presidentes Juscelino Kubitschek e João Goulart em condições suspeitas, Margareth Thatcher e Mikhayl Gorbatchov iniciando as trajetórias que desembocariam na vitória do neoliberalismo.

A ditadura havia acionado a autoarmadilha que a levou ao fracasso: ao impor a censura e caçar/cassar a oposição, congelou o debate, desabou no rápido endividamento externo e produziu a crise de 1980, que ainda hoje produz efeitos perversos. Deu início ao declínio da indústria, que hoje chega ao rés do chão. O Brasil, empatado com a Coreia e mais robusto que a China, caiu para posição muito inferior nas décadas seguintes, amplamente superado pelos “tigres asiáticos”.

O ciclo industrial da madeira acabara em Cascavel e a agricultura de exportação despontava como a nova força econômica, embora primária. O Estado, sempre com líderes fortes, viu um governador Jayme Canet chorando qual menino frente à destruição causada pelo golpe de 1975, a geada que arrasou a agricultura paranaense. A situação inspirava cuidados.

A fórmula

O projeto eleitoral de 1976 era datado e se esgotou. O Paraná enfrentou a sucessão de crises da época se abrindo ao empresariado e às forças sociais. O jornal sempre teve seus amigos e parceiros mais diletos, mas sem abrir mão desses compromissos se ofereceu amplamente a todas as forças políticas.

A linha editorial foi franqueada a todas as correntes políticas, sem exceção. O outro lado tinha vez. O jornal chegou a ter na página 2 uma coluna da direita e outra da esquerda, em suas posições respectivas na paginação. O editorial, entre as duas, era pautado na fórmula “elogiar o que for positivo, criticar o que for negativo”, tirando a média pelas posições da Acic. Os leitores sabem que nessas décadas, mesmo com alterações na razão social, escaramuças e reviravoltas, o jornal não mudou nem o endereço nem a pauta liberal.

As marcas pessoais

Emir Sfair me chamou para escrever o editorial dois dias por semana porque pretendia viajar para visitar os netos. Depois, ainda em nome do amor aos netos, Emir pediu um terceiro texto por semana. Amor de avô só cresce, e quando vi estava escrevendo o editorial todos os dias. Era difícil, porque pessoalmente divergia da Acic, relutava em elogiar o governo ditatorial e a oligarquia estadual, mas a ordem do chefe era seguir a linha indicada pela entidade. Afinal, disse ele, era a opinião do jornal. A minha eu colocaria na coluna dominical, com plena liberdade para escolher os assuntos.

Como contratado, obedecendo sempre às ordens para a feitura dos editoriais e às vezes embutindo um “porém” para expor o contraditório, elogiei tanto a Associação Comercial e a Caciopar que, ironicamente, recebi o convite, imerecido, para escrever o livro dos 50 anos da Acic. Cumpri a tarefa em homenagem ao Emir e assim conseguimos formar o banco de dados mais amplo sobre a história de Cascavel, que hoje abastece os historiadores e acadêmicos em suas pesquisas.

Demandas históricas

Pondo-se à disposição da comunidade para vencer as dificuldades das quatro décadas que atravessou, o jornal O Paraná encontrou na defesa de bandeiras históricas da região o caminho para se tornar uma força na imprensa estadual. Bandeiras como fortalecimento político regional, aeroporto, duplicação das rodovias, avanços universitários, ferrovia, combate aos embaraços à agropecuária, apoio ao saneamento básico, crítica à estrutura precária de segurança pública, disparidade entre carga tributária e atendimento às exigências estruturais do oeste, a proposta de união da comunidade para cobrar as dívidas que o Estado e a União têm para com a região foram sempre assuntos diários no jornal.

Nesta hora em que o oeste paranaense se depara mais uma vez com as consequências de uma crise, em meio a um ambiente tóxico de dissensões e insegurança, cresce o papel da imprensa livre para recolher as demandas da sociedade e multiplicá-las com o megafone das letras impressas, agora também com a ajuda importante das redes sociais.

Alceu A. Sperança é escritor – [email protected]