Política

OPINIÃO: O falso, o contrário e o assustador

Uns comemoram e outros agridem o bicentenário de Karl Marx. Se, com o mundo do trabalho em pandarecos, a festa não tem grandes motivos, as ofensas só motivam as pessoas a se perguntar por que alguém morto há 135 anos mexe tanto ainda hoje com a nossa a vida.

A resposta é óbvia. O capitalismo dominou o mundo antes de nascermos e Marx explicou como ninguém sua origem e por que funciona tão bem: “A burguesia não pode existir sem revolucionar continuamente os instrumentos de produção e, por conseguinte, as relações de produção, portanto todo o conjunto das relações sociais”.

Mais comemorações e incompreensões: os 80 anos do livro-distopia “1984”, a obra-prima de George Orwell que muitos ainda leem como datada, sem perceber que cada página contém uma “profecia”. Com a mesma envergadura de Marx e Orwell na história da imprensa, Edgar Allan Poe enlouqueceu manifestamente em 1848 e morreu no ano seguinte, aos 40 anos, deixando uma obra que também afetou a todos os que vieram depois.

Desses três gigantes da imprensa dos séculos passados chegam até o assustador tempo presente heranças que agitam os corações e mentes também das novas gerações. De Orwell vem a ideologia plutocrática que se desenha justo em meados da década de 1980, com a disseminação da internet. Sua Novilíngua, que alguns confundem com as ilusões desmoralizadas de Nikolai Marr e ainda não conseguem entender como se formou, está presente hoje nos discursos dos moleques de recado da plutocracia.

Trata-se, basicamente, de dourar a pílula, dando conteúdo e forma ao contrário do que se diz. Como os estelionatos eleitorais, por exemplo: Dilma abraçada a Temer aplicou o programa de Aécio, chamando Joaquim Levy para cuidar da economia nacional.

De Poe vêm as fake news, inauguradas com o conto-notícia “A balela do balão”. De Marx, emerge a dura realidade que denunciou no aniversário do Jornal do Povo, em Londres, em 1856: “A atmosfera sob a qual vivemos pesa várias toneladas sobre cada um de nós – mas vocês a sentem?”, perguntou Marx. “Em nossos dias, tudo parece estar impregnado do seu contrário. O maquinário, dotado do maravilhoso poder de amenizar e aperfeiçoar o trabalho humano, só faz, como se observa, sacrificá-lo e sobrecarregá-lo”.

Dizer o contrário é também o objetivo da Novilíngua de Orwell, aliás um pseudônimo ou nome fake: seu verdadeiro nome é Eric Arthur Blair. A Novilíngua imposta pelo Grande Irmão tem relação atualíssima com o uso ora eufêmico, ora distorcido, da linguagem. Octávio Paz dizia que “quando uma sociedade se corrompe, a primeira coisa que se decompõe é a linguagem”. Kkk! No analfabetismo funcional, aliás, a pessoa lê, acha que entendeu e está longe de captar o real significado do que leu. Daí para a incompreensão e o rancor é um passo.

As contradições que Marx apontou, a ditadura plutocrática que escraviza bilhões de pessoas com os slogans “liberais” ou “sociais” da Novilíngua de Blair e as fake news inauguradas por Poe são fantasmas concretos que assombram nosso tempo.

Alceu A. Sperança é escritor – [email protected]

Kkk! No analfabetismo funcional, aliás, a pessoa lê, acha que entendeu e está longe de captar o real significado do que leu. Daí para a incompreensão e o rancor é um passo