Política

OPINIÃO: Não esquecer o horror da caverna

Uma rara alegria foi sentida mundo afora após o resgate com êxito do time de futebol preso à caverna tailandesa. Os países que não foram à Copa ou saíram do torneio derrotados comemoraram com entusiasmo a vitória humana sobre os mais tenebrosos presságios causados pelo confinamento dos meninos.

Resta-nos ainda vencer a caverna platônica. Nela, há um país inteiro acorrentado à armadilha temerária das sombras lulistas e antilulistas. Sombras que bagunçam as instituições semeiam o rancor e alimentam a sede de sangue de malucos furiosos, como se algum futuro bom pudesse vir da submissão gravitacional a um só homem, ao qual cumpre render gratidão ou abominar.

Quem consegue sair da nacional caverna, ao chegar à luz exterior logo ao acomodar as vistas se vê preso a outra, iluminada por um anúncio em neon: “Donald Trump”. Pela fresta se ouve o tiroteio: contrariado por uma notícia, homem abre fogo dentro da redação do jornal Capital Gazette, em Annapolis, arredores da capital estadunidense, matando cinco pessoas e ferindo mais duas.

A imprensa incomoda os dominadores: o Governo Macri, fazendo água por todos os furos na Argentina, demitiu 357 profissionais da agência Telam, uma das raras que produziam conteúdo sem as pressões do cavernoso mercado. Mas não se turbe o coração dos aprisionados à caverna global: sempre haverá jornalões livres para noticiar o que a mídia submissa à plutocracia esconder. Sempre? No Twitter, o presidente do mundo encavernado ameaçou que os jornais The Washington Post e The New York Times vão deixar de existir em sete anos.

Mães, essas idolatradas, também entraram na lista de inimigos de Trump e sua política anti-imigração, que não retroage a ponto de mandar de volta a mãe dele, Mary Anne, quando veio da Europa em 1930, ao que consta como imigrante ilegal. Seria traumático ver pequenos Donalds em loiras lágrimas, separados das mães.

Agora, até o leite delas virou inimigo. Em Genebra (Suíça), a Assembleia da Organização Mundial da Saúde foi tomada de surpresa ao propor resolução determinando que o leite da mãe é o mais saudável para as crianças e por isso os países deveriam se esforçar para coibir propagandas enganosas em sentido contrário.

Os EUA repudiaram a proposta e seus representantes ameaçaram outros países caso concordassem com a resolução. As mães e seu leite encontraram um temível adversário.

Para não esquecer tais absurdos, a ciência nos socorre pondo abaixo a teoria errônea de que nenhum novo neurônio nasceria em adultos no hipocampo, a parte do cérebro responsável pela memória, emoção e cognição. Sem desenvolver novos neurônios, a memória começaria a falhar na velhice, pensava-se.

Segundo a pesquisadora Maura Boldrini, da Universidade de Colúmbia e do Instituto de Psiquiatria do Estado de Nova York (EUA), isso é falso: o cérebro sempre se renova – homens e mulheres idosos saudáveis podem gerar tantas novas células cerebrais quanto as pessoas jovens. Não há mais risco, portanto, de esquecer tantas cavernosas bandalheiras.

Alceu A. Sperança é escritor – [email protected]