Política

OPINIÃO: A propósito dos embargos infringentes

Diante da atual cobertura da imprensa em relação aos julgamentos dos Tribunais Superiores, notadamente o Supremo Tribunal Federal, depara-se a população com as discussões sobre o recurso conhecido como embargos infringentes e as consequências que o julgamento envolvendo Paulo Maluf teria em relação a outros acusados do mundo político.

É o momento apropriado para se desvendar o quão desassistidos estão os cidadãos brasileiros que se submetem à lei.

A criação do que se chama “duplo grau de jurisdição” se deu com a finalidade de evitar a falibilidade humana, pois pode um único juiz cometer erro, de modo que a possibilidade de se recorrer a um tribunal garante que um colegiado de juízes reveja a decisão proferida, para favorecer o réu ou não. Constitui também um remédio para evitar o eventual despotismo do julgador.

O problema surge quando os remédios recursais dão tratamento privilegiado a determinado tipo de cidadão, em detrimento do conjunto de cidadãos.

Se é certo que o direito de o acusado recorrer da decisão que lhe seja desfavorável constitua expressão de um direito individual assegurado na Constituição, não menos certo é que o conjunto de cidadãos ordeiros e cumpridores da lei também seja sujeito de direitos no resguardo dos bens que a mesma Constituição assegura como “garantias individuais”, ou seja, o direito à vida, à segurança pública, à propriedade, à honra etc, todos elementares para a vida pacífica e que são, por isso mesmo, protegidos pelo Direito Penal. Significa que os bens mais caros à cidadania, quando violados, sujeitam os responsáveis às penas da lei.

Acontece que o Direito Processual Penal brasileiro criou figuras que podem ser chamadas de “favor-rei” ou “favor do Estado”, concedendo apenas aos autores de crimes certos tipos de recursos, sem que os demais cidadãos, representados pelo próprio Estado, mas na figura do acusador estatal (o Ministério Público), possam se valer de idêntica benesse para tentar reverter decisões desfavoráveis.

O recurso “embargos infringentes” é exemplo de “favor-rei”, pois quando uma decisão colegiada (nos Tribunais – por exemplo, de três julgadores), contrária ao interesse do réu, não se der por unanimidade (observe-se que no mais das vezes será número ímpar de julgadores), o réu poderá tentar “virar o jogo”, ou seja, se foi condenado ou mantida a condenação por 2 votos a 1, tendo recebido um único voto favorável, poderá levar a decisão a um grupo maior de julgadores, desta vez normalmente (nos tribunais estaduais) cinco (Câmaras/Turmas integrais), de modo que o objetivo é convencer, agora com cinco julgadores, que os dois integrantes do colegiado que não participaram do primeiro julgamento acompanhem o voto “divergente” da condenação, ficando o placar, favorável ao réu, em 5 a 2.

Se a decisão colegiada que absolver o autor de crime não for unânime, como no exemplo, 2 a 1, absolvido ficará, pois os cidadãos, representados na maior parte dos casos pelo Estado-Acusação – Ministério Público, não terão idêntica oportunidade e não poderão ver aplicado o Direito Penal, instrumento de garantias individuais asseguradas na Constituição.

Essa mesma lógica se aplica a casos outros, como se vê atualmente no Supremo Tribunal Federal.

Partindo-se da premissa de que todos são iguais perante a lei, trata-se de uma lógica parcial, indulgente com o crime e com o criminoso, em inegável prejuízo aos cidadãos brasileiros.

Ora, se já se aplica o duplo grau de jurisdição, que a rigor ainda permite recurso a outras duas instâncias (STJ e STF), sempre partindo-se da premissa de que a decisão por maioria é tão válida quanto a unânime, no que se sustenta a manutenção desse “favor rei” exclusivo dos acusados de práticas criminosas?

A impunidade é filha da indulgência e do egocentrismo, neta da hipocrisia permissiva, gerada no ventre doente daqueles que “lavam as mãos” quando não atingidos diretamente pelos violadores das elementares regras de convivência em sociedade.

Armando Antônio Sobreiro Neto – procurador de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná; coordenadoria das Promotorias de Justiça Eleitorais