Política

OPINIÃO: 30 anos de Constituição, um lembrete

A Constituição Federal está completando 30 anos. A data nos faz refletir sobre seu conteúdo e suas finalidades ante os percalços que vem enfrentando, principalmente nos últimos dois anos.

A promulgação do texto constitucional, ocorrida em 05/10/1988, foi o ápice de um movimento pela redemocratização do País. Durante quase uma década, amplos segmentos sociais exigiram desde o fim da tortura e das prisões arbitrárias até eleições diretas para presidente. Se não obtiveram sucesso nessa última, o processo político que resultou na “Constituição Cidadã” permitiu que a Assembleia Nacional Constituinte promulgasse um texto moderno e que deu esperanças à sociedade de efetivar direitos e um modelo de estado de bem-estar social que atendesse às expectativas e às necessidades de um país que se industrializara, mas que permanecia profundamente desigual.

Os anos que se seguiram à promulgação foram turbulentos: crise econômica, sequestro de poupanças, recessão, hiperinflação, impeachment do primeiro presidente eleito pelo voto direto após quase 30 anos. Embora a inflação tenha sido finalmente debelada e a política tenha se normalizado por meio da formação de dois campos antagônicos e bem delineados, a Constituição sofreu, no decorrer da década de 1990, ataques que se inseriam na concepção de “Estado Mínimo”, em voga à época na América Latina e oposta às ideias consolidadas no texto constitucional. Isso atrasou e até impediu a efetivação de várias previsões constitucionais, embora tenha havido progressos em áreas importantes, como a consolidação do SUS.

A década de 2000 marcou um novo fôlego para a execução das previsões constitucionais, especialmente no campo social. Um conjunto significativo da sociedade antes marginalizado foi incluído nos direitos básicos de cidadania; além disso, mediante uma moderna intervenção na economia, o Estado pôde manter um ciclo de desenvolvimento econômico relativamente estável, com taxas decrescentes de desemprego e ganhos reais nos salários; a política de valorização do salário mínimo e a instituição de uma renda básica de cidadania, em termos parecidos aos modelos sueco e alemão do pós-guerra, além do aumento marcante do número de estudantes universitários, permitiram a ascensão social para milhões de brasileiros. Os indicadores sociais melhoravam e as desigualdades diminuíam em qualidade e velocidade inéditas.

Essa progressão é visível até a primeira metade da década de 2010. A exaustão do modelo de crescimento econômico e, de 2016 em diante, a execução de um projeto de país diverso da concepção inicial da Constituição – e não legitimado pelas urnas -, acabaram por reverter essa tendência. A intromissão cada vez maior do Judiciário na vida política nacional, a polêmica “reforma” trabalhista (que põe em risco direitos básicos dos assalariados e legaliza a precarização das relações de trabalho) e a Emenda Constitucional 95, a qual prevê congelamento dos gastos e investimentos públicos por 20 anos, algo inaudito no mundo moderno e incompatível com um país com tantas deficiências em serviços públicos como o Brasil, são os principais símbolos dessa nova era.

A defesa do espírito cidadão da Carta de 1988 é dever da sociedade. Os objetivos fundamentais da Carta (art. 3º), pilares de qualquer nação que se quer minimamente civilizada, não serão atingidos por meio dessas políticas, e a efeméride de outubro, comemorada dois dias antes do primeiro turno da eleição geral, deve lembrar o país que o estatuto constitucional que defende os direitos e garantias individuais está correndo sério risco, inclusive por proposições neofascistas. A mobilização deve ser urgente, e a história não perdoará hesitações.

Fabio Augusto Mello Peres é advogado trabalhista e sindical