Cotidiano

Oliver Stone faz retrato heróico de ex-técnico que denunciou espionagem dos EUA

62567257_SC São Paulo SP 07-11-2016 - Oliver Stone diretor do filme Snowde.jpg?Snowden: Herói ou traidor?, que chega aos cinemas brasileiros amanhã, foi recusado por todas as grandes produtoras e distribuidoras americanas antes de conseguir financiamento na Europa.

? É um milagre que eu ainda consiga dirigir filmes como esse no conservador sistema de estúdios de Hollywood ? reconhece o diretor Oliver Stone, 70 anos, durante passagem por São Paulo.

Na véspera da eleição presidencial americana, ele veio ao Brasil para promover seu longa-metragem sobre Edward Joseph Snowden, técnico em redes de computação que trabalhou para a Agência de Segurança Nacional (NSA) dos Estados Unidos e revelou, em 2013, um esquema de espionagem em massa promovido pelo órgão.

Snowden, então com 29 anos, expôs programas secretos e vazou documentos comprovando o monitoramento de pessoas físicas, empresas e até chefes de Estado estrangeiros, entre eles a então presidente brasileira Dilma Rousseff. Alegava defender a privacidade. Acabou acusado de espionagem pelo governo americano. E hoje vive exilado na Rússia.

? Nós lutamos, cara! Fomos até a Alemanha e a França. Todas as corporações americanas, as grandes, se recusaram a colocar dinheiro nesse projeto ? conta Stone. ? Não só para a produção, mas para a distribuição. A Disney, que distribui o filme no Brasil, só entrou porque comprou os direitos de outras empresas europeias. É um grande xadrez, mas certamente teriam recusado se tivéssemos ido diretamente a eles. Na verdade, eles tentaram afundar o filme colocando esse subtítulo horrível.

O diretor de ?Platoon? (1986), ?Nascido em 4 de julho? (1989) e ?JFK ? A pergunta que não quer calar?, entre outros filmes polêmicos, considera que o questionamento contido na frase ?Herói ou traidor? influencia no julgamento do espectador:

? Eu odeio esse subtítulo. Isso fica muito preto ou branco, é muito parcial.

?Como um escoteiro?

?Snowden?, diz o cineasta, mostra a visão de um jovem programador, patriota e idealista, que abalou o governo Obama com suas revelações e mudou a percepção que se tinha de uma administração supostamente ética em relação à população americana e de outros países.

? Ele é como um escoteiro, é ?quadrado?. Acha que essas questões éticas interessam à Humanidade ? diz Stone sobre o personagem. ? Não decidi nada, contei a história do jeito que ele a contou pra mim. É a versão dele, e posso dizer que ele esteve bem envolvido.

Stone e Snowden se encontraram nove vezes ao longo do processo de produção do longa-metragem, que também se baseia no livro ?Os arquivos secretos de Snowden? (Leya), escrito por Luke Harding. A maioria dos encontros foi para confirmar informações técnicas:

? Ele viu o filme duas vezes e fez muitas observações. A NSA nunca contou a história dele da maneira correta. Disseram que era um peixe pequeno, que não tinha acesso às informações. Nunca fez sentido o que falaram dele.

Joseph Gordon-Levitt foi a primeira escolha de Stone para interpretar Snowden. A atriz e ativista Shailene Woodley pediu para participar do filme e foi brindada com o papel da namorada do personagem, Lindsay.

? Pensei em Joe, e ele aceitou na hora. Ele tem essa personalidade passiva, um tanto introspectiva, e também parece um pouco com Snowden. Tivemos alguns desentendimentos, mas acabou funcionando. Shailene me escreveu uma mensagem. Ela tinha 21 anos, era muito jovem, idealista. Tornou-se uma grande apoiadora de Bernie Sanders, na época das primárias do Partido Democrata.

O jornalista americano Glenn Greenwald, que divulgou as informações coletadas por Snowden, é vivido pelo ator Zachary Quinto. Greenwald conta que não foi procurado pela equipe do filme, mas assistiu a ele e gostou:

? Stone consegue captar um processo que, em grande parte, se passa na cabeça do personagem. É interessante que se saiba por que Snowden fez o que fez. E acho muito importante que o público brasileiro veja, porque esse episódio teve um impacto forte na relação entre Brasil e EUA (a revelação gerou um incidente diplomático entre Dilma e Obama).

Esso e Oscar

O esquema de espionagem do governo americano no Brasil, onde a NSA rastreou milhões de telefonemas e e-mails, foi denunciado por uma série de reportagens do próprio Greenwald, em parceria com os jornalistas Roberto Kaz e José Casado no GLOBO. O resultado rendeu um prêmio Esso ao jornal em 2013. A história de Snowden também inspirou o documentário ?Citizenfour?, de Laura Poitras, que venceu o Oscar no ano passado.