Cotidiano

Ode ao improvável

A Rua General Espírito Santo Cardoso é um lugar tranquilo, considerando a agitação do bairro onde está. Tem calçada larga com algumas árvores diante das lojas, na fachada do prédio residencial que as abriga – sombra e um ar fresco encanado que vem da Rua Uruguai. Ali, sem a menor pretensão, fica um dos tesouros da baixa gastronomia carioca, da baixa gastronomia do Brasil. É o Bar do Momo. Um boteco, boteco mesmo, sem tirar nem pôr, pequenino, apenas um balcão com a vitrine onde ficam expostos o pernil e os ovos coloridos, e as geladeiras, pouco antes da porta que dá para a cozinha. É ali onde a coisa acontece e saem as delícias que atraem gente da cidade toda, incluindo renomados chefs de cozinha. O código de conduta é o seguinte: enquanto tiver lugar na calçada, basta pedir aos garçons para posicionar uma das mesas de plástico, dessas de cervejaria, empilhadas na porta do bar. E ali você se acomoda para passar horas de puro prazer gastronômico. É sério. Quem come o clássico bolinho de arroz, recheado com linguiça e uma secreta mistura de queijos, frito à perfeição, sabe do que estamos falando. A receita é do Antonio Carlos Laffargue, o Toninho, filho do Tonhão, o Antonio Lopes dos Santos, que comprou o boteco em 1987 de um Rei Momo (daí o nome) e foi fazendo fama com uma senhora feijoada servida nas sextas-feiras.

Quando o filho foi para cozinha, o negócio estourou. Toninho parece ter um talento nato para cozinhar e criar receitas que viram clássicos instantâneos, como o Farol de Milha, nascido outro dia para o concurso Comida di Buteco. Numa panelinha rasa de barro vai filé de lagarto recheado com linguiça, coberto com queijo meia cura e ovo caipira estrelado acima de tudo. Em volta, molho, muito molho, para banhar rodelas de pão francês.

É fácil ir ao delírio também com as almôndegas com jiló (o legume vai frito no meio da carne) e o Atolei no Momo. Vale guardar bem o nome, para não esquecer de pedir a costela de boi desfiada e cheia de caldo dela mesma, coberta por creme de aipim. Tudo servido num copinho tipo americano. Há acepipes tradicionais também, como o bolinho de bacalhau, sério concorrente ao melhor da cidade – e olha que a disputa é duríssima. E pastéis, sardinha frita…

Recentemente, o quadro com os pratos escritos com giz, o cardápio da casa, passou a contar com hambúrgueres de respeito. Toninho se orgulha das misturas de carne moída que faz e divulga festivais na página da casa no Facebook. Tem fraldinha com bacon, contra-filé com acém, só contra-filé, só acém com – veja só – queijo gorgonzola. As composições contam ainda com cebolas caramelizadas no Campari, maionese de páprica, picles de maxixe e por aí vai. A invencionices do cozinheiro têm levado os foodies de plantão à loucura e eles se esbaldam com as fotos dos hamburgões (o T-Rex tem 600 gramas de carne), mas o que agrada mesmo são os pratos que a velha guarda admira, mesmo que sejam interpretações, como o bode bourguignon.

A turma continua indo para o Momo em busca da cerveja gelada (agora há carta com rótulos especiais também) e das batidas. Ah, as batidas. A de maracujá é a melhor da cidade. Pronto, está dito. A de coco é igualmente deliciosa, mas disputaria o topo do pódio com outra, a do Bar do Oswaldo, na Barra.

Quem diria. Por décadas, a gastronomia de boteco foi considerada um item menor na cultura culinária nacional. Quase um “prazer culpado”. Todo mundo gostava, mas ninguém levava a sério. Nós levamos.

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