Cotidiano

O timoneiro da redemocratização

2015 788717541-2014 766824776-2014 766248621-2014110653596.jpg_20141106.jpg_.jpg O Brasil deve muito à coragem, tenacidade, habilidade e liderança do deputado Ulysses Guimarães que, com incansável abnegação, trabalhou diuturnamente pela redemocratização do Brasil.

Desde 1965, quando filiou-se ao Movimento Democrático Brasileiro ? MDB, passando por 1971, quando assumiu a presidência do partido até, finalmente, a promulgação da Constituição de 1988 ? a ?Constituição Cidadã?, que refundou o regime democrático e ampliou os direitos sociais, foi sempre ele o nosso timoneiro.

Enfrentou a ditadura com desassombro e altivez, correndo riscos, no limite. Liderança aglutinadora, atenta ao sentimento popular, conduziu todos os estágios do processo de redemocratização. Vale a pena recordar: em 1973, protagonizou a anticandidatura contra a eleição indireta do general Ernesto Geisel; em 1974 e 1978, por ocasião de eleições gerais, ajudou a aumentar significativamente as bancadas do MDB e liderou a campanha pela anistia e pela convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte; em 1982, comandou a importantíssima campanha eleitoral, marcada pela volta das eleições diretas para governador, ocasião em que o PMDB elegeu nove governadores, dentre eles Franco Montoro (SP), Tancredo Neves (MG) e José Richa (PR); em 1983, coordenou a indelével campanha pelas ?Diretas já?; em 1984, articulou a eleição indireta de Tancredo Neves e, finalmente, liderou, a partir de 1985, a convocação e a presidência dos trabalhos da Constituinte.

Ao temperamento conciliador mesclava-se um veio radical de democrata-libertário, herança da juventude. Eloquente, inflamava-se na tribuna e nos palanques. Soltava o verbo com veemência eletrizante nos momentos de luta, em discursos históricos inesquecíveis ( ?Navegar é preciso, viver não é preciso?, ?A Travessia?, ?Muda, Brasil?). Dr Ulysses cercou-se sempre de conselheiros, intelectuais e políticos guiados pelo interesse público. Tinha a sabedoria de ouvir, indagar e aprender. Culto, conhecia história, direito e o pensamento político clássico. Aficionado à literatura francesa, recitava de memória parágrafos impactantes e frases curiosas de grandes escritores ? sempre com grande dose de bom humor. Era um prazer conviver com ele!

De formação liberal, incorporou novas compreensões sobre a relevância do Estado para o desenvolvimento e a redução da desigualdade, sem desprezar a importância do sistema empresarial e das organizações da sociedade civil. Deputado federal no início dos 50, acompanhou com interesse o segundo Governo de Vargas, de quem seu amigo Tancredo Neves era ministro da Justiça. Militou na ?ala moça? do Partido Social Democrata ? PSD, que entre 1955 e 1961 defendia posições nacionalistas e desenvolvimentistas e propunha a renovação da política brasileira. Presidente da Câmara no biênio 1956-1957, foi peça-chave de sustentação do Governo Juscelino Kubitschek. Essas experiências lhe temperaram com nacionalismo moderado e visão desenvolvimentista, formando sólida convicção otimista sobre o potencial do Brasil. No primeiro Gabinete Parlamentarista do governo João Goulart (1961-1962) foi ministro da Indústria e Comércio. Esse amálgama de experiências e qualidades pessoais o habilitou a presidir com maestria o grande e diversificado MDB-PMDB e a conduzi-lo com energia e perseverança ao objetivo maior da redemocratização.

O Dr Ulysses, o ?Senhor Diretas? nos legou além da democracia um exemplo de honradez, integridade, amor ao povo e à nação ? qualidades hoje, infelizmente, raríssimas no panorama brasileiro.

Luciano Coutinho é ex-presidente do BNDES e foi assessor de Ulysses Guimarães